Pular para o conteúdo principal

Questão de gênero no Candomblé

O Candomblé tem origem africana. Mas é brasileiro. Nascido e formado no Brasil. Os Iorubás e bantos eram patriarcais, na maioria. Porém mulheres também organizavam cultos e sociedades: geledes, Yamin Oxorongá. Mulheres sempre foram parte importante na mitologia: Oxum, Iemanjá, Iansã como rainhas, mães, guerreiras, esposas. Não tenho conhecimento para citar nem uma fração de sociedades, representações e poderes femininos próprios dessas culturas.

No Brasil o Candomblé surgiu através de mulheres, como apontam as bibliografias que partem de Pierre Verger. Mulheres pertencentes à irmandades católicas, e que, justamente por terem aval das paróquias e padres, conseguiam se reunir e tiveram espaço para  reorganizar culto.  É basicamente isso que a historiografia aponta. Porém ocorreu a participação de homens no processo. Babalaôs carregavam o segredos dos odus,  e contribuíram para a criação do jogo de Búzios, que passa a ser um instrumento do oráculo de Ifa manuseado por mulheres (algo até então proibido). Muitos homens também eram alforriados e passavam a servir e trabalhar nas roças de Candomblé.  Muitas funções são preservadas à homens dentro do candomblé. 

No candomblé a homofobia é parcialmente superada. Aquilo que é tabu no Candomblé tem herança e influência mais do cristianismo do que da matriz banto\iorubá.  A homossexualidade não é tabu em muitos mitos Iorubás. Ossae, Iansa, Logun Ede. No candomblé a homossexualidade não é tabu. Pelo contrário, chega a ser identidade.  Existe, por exemplo, um dialeto gay, possível de ser identificado nas periferias de todas as grandes cidades, que extrai inúmeras palavras do candomblé: mona, aquenda o pajuba (enem)... . Há também o empoderamento através do sacerdócio. Ser um líder religioso lhe confere poder e influência sobre as pessoas.  Isso faz com que negros, mulheres, mulheres negras, gays, lésbicas se tornem líderes. Sejam empoderadas pelo sacerdócio. 

Talvez um dos maiores tabus seja a transexualidade.  Há enorme resistência dentro das casas de candomblé em reconhecer a escolha de uma pessoa trans. Há casas que não aceitam a mudança que contrarie a biologia. Porém isso é um tabu a ser superado pela sabedoria. A sabedoria que é própria do candomblé, que tem por essência o acolhimento, a resistência, a comunhão. E que a maior de todas as lições que a natureza nos dá através do candomblé é que tudo se transforma o tempo todo, e que não há como não respeitar a existência do outro.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Linhagem do Candomblé Kêto no Brasil

Linhagem do Candomblé Kêto no Brasil – Por Alan Geraldo Myleo As informações que seguem foram retiradas do livro de Pierre Verger – Orixás – Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. A construção dessa linhagem que segue gera, até hoje, muitas divergências pois, além se serem baseadas em versões orais, envolvem uma certa vaidade devido a importância histórica, social, cultural e religiosa que envolvem tais versões. 1º Terreiro de Candomblé Kêto (oficialmente reconhecido) (Primeira metade do séc. XIX) Ilê Axé Iyá Nassô Oká Barroquinha, Salvador – BA 1ª Yalorixá - Iyá Nassô 2ª Yalorixá – Marcelina Obatossí 3ª Yalodê ou Erelun(como era conhecida na sociedade Geledé) Nome de batismo: Maria Júlia Figueiredo Obs: essa é considerada a primeira linhagem da Nação Kêto fundada com o auxílio do Babalawô Bangboxê Obiticô. Segundo algumas versões orais, YáNassô era uma das três princesas vindas do Império de Oyó( junto com Yá Acalá e Yá Adetá) que foram alforriadas por...

Por que evangélicos neopentecostais odeiam tanto as religiões afro?

Concorrência. Tantos os terreiros e centros de umbanda e candomblé quantos as igrejas neopentecostais se concentram nas periferias e favelas. Elas disputam um mesmo público em um mesmo espaço geográfico. Nas favelas e periferias estão as piores e mais frequentes mazelas. Drogas, violência doméstica, violência do tráfico, violência da polícia, falta de hospitais e escolas decentes. Na favela está concentrado o sofrimento geral que a pobreza causa. E tanto pastores e pastoras quanto pais e mães de santo estão atendendo e consolando essa gente sofrida. Cada uma consola a seu modo. Porém é comum as igrejas neopentecostais declararem ódio e intolerância abertamente contra "macumbeiros" como uma estratégia de manipulação e proveito da ignorância alheia. Um evangélico que mora na favela sempre tem um vizinho macumbeiro. O discurso do medo, do diabo, do feitiço, um pensamento medieval que ainda custa a vida e a honra das pessoas. Um macumbeiro não tem um evangélico como inimigo, a ...

Tem agente que não é gente.

O conceito de agente público, servidor público, é um dos alicerces fundamentais do processo civilizatório que o Brasil quase não tem. Um agente público serve o público, defende o público, o interesse, os direitos, a segurança, os corpos e os lares do público. Público é o conjunto de cidadãos que pagam os impostos, que por sua vez pagam os salários, aposentadorias e todos os recursos para que existam as instituições públicas. Só que o agente precisa ter esse conceito e essa "crença" no papel social do SERVIÇO público. Antes de reparar no pior, vamos reparar no melhor. Se existe escola, hospital, coleta de lixo e outros serviços públicos que funcionam, bem ou mal, é graças aos bons servidores públicos. Se ainda há crianças aprendendo a ler e escrever, hospitais atendendo pessoas é graças aos bons servidores públicos. E a coisa toda, da polícia ao sistema funerário, só não é melhor por causa da quantidade enorme de pessoas despreparadas moralmente, psicologicamente e intelectua...