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o efeito borboleta na vida real


(relato de um fato dado e acontecido comigo mesmo de verdade)
mais um dia. estrada. trânsito. pressa.
tava lá do meio da pista. mais um menino
largado, com frio, loco, drogado.
tava lá o menino, errado no lugar e na hora
mas não tava lá porque queria
pois criança não tem querer
como já dizia dona Maria.
mas tava lá o menino
e foi justo meu caminho
que atravessou o menino franzino
e de repente... POOOOWW!
tão rápido que nem entendi
o que acabara de ocorrer
será que é comigo
que hoje alguém vai morrer?
desci, corri, socorri.
uma canela de uma criança
que deveria estar na escola chutando bola
tava ali no chão despedaçada e dependurada
do um jeito que em uma criança não deveria estar não.
mas estava e não estava só.
de repente e assustadoramente
um monte de gente
que não eram bem gente
ou ali, daquele jeito, não estavam como gente
uma gritaria que se ouvia
criança, moleque adulto saindo de todo lado
era a "família de cachimbo" do moleque atropelado
cobertor arrastado, garrafa de tiner no bico
esqueiros pendurados
e de repente me vi cercado por essa gente
e me bateu a pior sensação
talvez por instinto de auto proteção
ou por não passar de um medroso bundão
tive medo de morrer
espancado e linchado
ao lado do menino estirado
naquele chão quente de asfalto
enquanto me afastava
ainda tentando decidir se fugia ou se ficava
avistei dois guardas chegando e pensei
o menino tá socorrido
mas eu ainda tô ferrado!
ainda em pânico e com a adrenalina a mil
antes que toda aquela gente que gritava e se ajuntava
resolvesse se vingar do algoz daquela cena
o piloto do veículo que fluía no corredor
da morte cotidiana na babilônia paulistana,
eu mesmo, personagem daquele drama
ainda me afastava decidindo se ia ou ficava
já em cima da moto dois guardas me gritaram
tive foi alívio, finalmente, proteção
desci da moto, ainda apavorado
e fui logo consolado
tratado como vítima
do terrível fato dado
que ainda não havia terminado
nem pra mim e muito menos
pro menino atropelado.
eu fui pra delegacia
protegido e escoltado
com o corpo e máquina sem um dano
mas o menino seguia atropelado
depois de muita dor e espera
o resgate chega e leva
e o que será desse garoto?
quem é ele? tem família? tem morada?
tem um lar pra cuidar da perna quebrada?
vai saber. eu só sei que esse menino
na tabuleta do bombeiro e do polícia
é só um menino a menos
uma estatística de pobre, preto,
drogado, abandonado,
alcoolismo, drogas, violência e abuso
desde o seio da família
largou a escola e conheceu o crack
se mudou pra cracolândia e depois teve que migrar
por força bruta de gente de bem
no viaduto foi parar pra morar
onde ninguém deveria estar
mas estava lá esse menino
e deu de atravessar
bem no instante de eu passar, e pá.
eis o efeito borboleta desse sistema falido
tanta polícia, guarda civil e de trânsito, bombeiros,
num trânsito caótico e parado
tantas pessoas passando atrasadas pro trabalho
lamentando mais um corpo no chão estirado
mais tantas horas de delegacia
pense então o menino sozinho no hospital
daqueles público que mais parecem purgatório
tantas bombas de gás, balas de borrachas
viaturas e tratores pra destruir a cracolândia
tanta grana pra propaganda e mais propaganda
é essa São Paulo linda? Limpa?
quanto se gasta com uma bomba de gás?
com três minutos de propaganda na TV?
Quanto se gasta com um menino drogado, largado, atropelado?
qual o efeito de um menino largado no centro da cidade linda?
eu poderia ter caído, me machucado,
eu poderia ter sido linchado ou ter fugido
abandonado o garoto atropelado
Dei foi sorte, por Oxossi e Ogum abençoado
de terem guardas perto na hora do fato
o fato é que a sorte ajuda, e os orixás também
mas as estatísticas não mentem
qualquer hora pode ser qualquer um
quanto mais abandono público mais violência
mais os efeitos colaterais da desigualdade e da corrupção
farão vítimas inocentes ou não
e o que se ouve por aí
é gente ignorante querendo se armar
pois se acham no direito de garantir proteção
com o direito de matar
o pior é que do jeito que as coisas por aqui são
quase sempre o bandido bom que deveria estar morto
são crianças, pretas, pobres, viciadas, abandonadas
por deus, pela família, pelo Estado.
Capitães do asfalto sobrevivendo sem ter nada a perder
pois já não tem nada além do que aquilo que lhes resta
no abandono da selva de pedras,
cheia de pedras pra fumar e atirar
quando e se precisar.

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