Não há lugar mais solitário do que as multidões urbanas de
nosso tempo.
A rotina do trabalho na babilônia paulistana aglomera
melancolias e sofrimentos. Frustrações e vícios. Aglomera rostos e olhares que
denunciam sofrimentos acumulados. A textura da pele e as olheiras acentuadas expressam
o nível social e os possíveis ofícios de cada um. A estudante de pele macia e
maquiagem moderada. Domestica de idade avançada e mãos grosseiras. O enfermeiro
vertido de branco com a expressão de noite acordada. O vendedor ambulante com a
sacola escondida, atento aos guardas que não guardam quase nada além das ordens
dadas por quem manda e desmanda. Cada uma das pessoas fazendo aquilo que lhe
resta dentro dessa máquina que chamam se sociedade capitalista. Fazendo o que
lhe é mais necessário, e talvez mais digno. Aquilo que lhe escraviza, e talvez
liberta: trabalho. Pessoas sendo consumidas para sobreviver ou para enriquecer.
Pessoas se consumindo escravizadas por sua pobreza ou por sua avareza.
Mas cada um é um. E cada qual é um ser que existe como uma
chama acesa nessa grande fogueira chamada humanidade. Cada qual com seus
sofrimentos, pois, por vezes parece que é o que mais temos.
Apertado no vagão, com meu livro na mão, palavras sobre
Jesus, Maria e José, postas no papel por um sábio Saramago, tocavam meu
coração. Aquela humildade revelada por Maria mãe de Jesus, me transformava a cada frase lida, como nos
transformam os bons livros.
E ali mesmo, lendo sobre Maria mãe de Jesus, estava sentada
sob minha leitura uma humilda dona Maria. Dona Maria que escancarava em sua aparência,
o desgaste da vida e da própria simplicidade. A julgar pelo horário, junto ao
cansado cochilo sentada no banco duro do trem, pela pele enrugada e mãos
calejadas, talvez fosse essa Maria uma honrada doméstica. E como não saudar as
domésticas. Infinita é a dignidade de seu ofício. Cuida do lar, prepara a
sagrada refeição, limpa e organiza a vida das pessoas. Quantas Marias cuidam
das famílias de outras pessoas para que outras pessoas possam se dedicar a si
mesmas e suas riquezas? Quantas Marias é que dão amor e carinho para crianças
ricas abandonadas dentro do próprio lar, em meio à própria riqueza?
Olhando pra todos os lados vemos sofrimentos estampados na
cara de muitos. E o pior é imaginar quantos desses sofrimentos não são daqueles
naturais. Pois sofrimentos naturais como a perda do amor para outra pessoa, ou
a morte de um ente querido. São dores necessárias e inerentes à existência.
Porém há dores, sofrimentos, que não são naturais nem divinos. Se Deus é o bem
e a bondade plena. Se Deus criou tudo, como pode Deus castigar pessoas com o
sofrimento por aquilo que ele mesmo criou? Como pode Deus permitir que uma mulher
sofra só por ser mulher? Que um negro sofra por ser negro? Que um homossexual
sofra por assim ser? Como pode?
Sofrer por ser quem se é. Sofrer por fome. Não são
sofrimentos naturais e não deveriam ser tolerados por nenhum humano.
Vejo sofrimentos nos olhos das pessoas. Nos olhos que nunca
se olham. Cada um, em sua rotina diária, passa por centenas de pessoas. Esbarram-se,
apertam-se, pisa-se nos pés uns dos outros, mas quase nunca se olham. Quase nunca
sorriem uns para os outros. É extremamente
fácil passar minutos olhando para uma pessoa sem ser percebido. E percebendo
cada um, sem ser percebido por ninguém pode ser uma das sensações mais
solitárias que existe.
Mas nessa solidão há bastante poesia. E chamo de poesia
aquilo que te conforta e te causa sensações emotivas. Quando se combina
qualquer letra, cor, rima, melodia, formas, sabores, odores. Tudo que se
combina se torna, aos nossos sentidos, poesia. Perceber a boniteza das coisas
simples do dia a dia é também poesia.
Viver percebendo poesia em tudo e todo momento é um jeito de
preencher a existência. As vezes nada muda. Mas com toda certeza a poesia
alivia o sofrer do dia a dia.
Poesia é uma das felicidades. E há muitas. Suportar a
própria existência exige que cultivemos felicidades dentro de nós. Artes,
música, natureza, animais, filhos, viagens, amigos, ajudar o próximo… tudo isso
são felicidades que nos preenchem.
Há quem se preencha com dinheiro. Ou com a vontade de tê-lo.
Ou ainda com o esforço de tentar parecer que tem. Há quem se preencha com a
própria vaidade e ostentação, comprando um casaco de dez mil reais, que não
passa de mera distinção entre riqueza e pobreza. Há os que se preenchem
tentando ser e parecer melhor que seus semelhantes. E são essas as mais vazias
e frustradas pessoas, por mais que se esforcem para preencher seus vazios.
Pergunte para a humildade como se fosse gente: o que é o SUCESSO?
Ela responderá: sucesso é existir, respirar, enxergar. Amar
e ser amado. Existir como se quer, desde que essa existência não subtrais a existência
do outro. Não diminua ou comprometa a dignidade da existência do outro.
Perceber a existência dos outros tem uma função muito
importante para existência de toda a nossa raça. Perceber o outro é perceber a
si mesmo. E percebendo a si mesmo se existe melhor. Se faz uma humanidade
melhor.
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