Lugar de nascimento e criação é
lembrança por demais intensa.
Na época, pra mim, nem bonito era.
Não porque não era.
Mas por ser tão meu, tão único, por
ser tão absolutamente meu sertão aquela roça, que era do pai e foi do avô, que o
bonito e o feio não eram nem mesmo uma ideia pensada, ouvida ou dita.
Hoje, na lembrança, e na presença só
por visitação por causa de migração minha, vejo e lembro-me de um lugar de água
pura e paisagem ainda mais, só que banhada de sol, vento, e às vezes muitas,
chuva fina e grossa.

E tantos mais e muito mais que meu
pai me ensinou. Ensinou nome de pau e mato também. Urtiga foi das primeira.
Congonha, capim gordura. Braquiaria das muitas que tinha. E que braquiaria veio
da África, disse pra mim. Capim Napiê, cidreira, campo. Me ensinou
até fazer queimada, igual os índios faziam. E depois meu avô, e acho que o avô
dele também.
Tem lembrança de caça e valentia que
só menino sobrinho de gente com raça antiga, que dizem cigana, pode ter. Tidaniel
me fez pedaço maior de gente em muita ocasião. Me levou à caça de tudo que é bicho. Paca,
tatu, Preá e Jacú. Até me pendurou na árvore pra garantir que eu não caísse em espera de paca gorda. E na caça que dei foi tiro de espingarda. Dali em diante,
nem lembrava porque, me fiz maior.
Empreitada de cavalo e égua, e até
mula boa, tive com Tisrael. Léguas e léguas na beira da linha de trem. Passando
em fazenda grande e roça pequena. Sertão de minas só que não tão sertão assim.
Era meu sertão, pra mim.
Tem certas lembranças que é mais de
sentimento do que de pensamento. Lembrança de pai e mãe. É lembrança forte toda
vida. E por mais que o roteiro pensado e querido pra filho possa parecer sempre
caminho melhor, nem sempre é caminho seguido, por motivos de vida.
Mãe minha é de muita fibra e passagem
de Valentia. Mas há mesmo pra provar, cicatriz de machadada dada e executada
sem querer nem intenção por Samuel menino mais velho seu irmão. Mãe é um
esteio. Tem até tapa na cara de homem grande valente, era um doido que me
chamou de ladrão e me deu um murrão. Mãe foi e meteu um tapão.
Pai foi mesmo o meu, pra mim, que
tive. Porque tem gente que não tem, mesmo tendo. Eu tive e tenho. E de tudo que
pai bão deixa pra filho, no meu julgamento, pra mim deixou foi o melhor: bondade
e coragem. Bondade porque de pai tenho exemplo mais firme e antigo em
existência minha, de retidão no fazer, ser, agir, falar e ouvir. Pai meu é
exemplo de honestidade e bom coração. E hoje posso falar e comprovar: nunca que
fiz nem quis mal querer e mal estar, de espírito, de mente e de coração. Nem de
ninguém nem de nenhum jeito a não ser quando sem querer por falta de evolução.
E isso guardo de pai meu.
E na coragem só explica herança dada
por pai com o caso do tombo da Luana.
Luana era uma égua. Pampa, Arisca e
boa de cela. Uma marcha picada que passo por passo , pé por pé, um de cada vez,
ia numa toada tão lisa que nem sentia a
estrada passando. Toada de dormir no arreio em fim de cavalgada.
No dia mesmo, do tombo feio, eu tinha
de idade 11 e Luana 3. Luana tinha também só 3 repassos. Cumpadre Ari, primo
nosso e vizinho de cerca e roça, foi que repassou. Nisso pai me perguntou se eu
queria andar, e com medo mas sem mostrar, disse que ia. Mas pai viu medo certo,
mas viu coragem também e falou pode ir, não tem perigo, chega o reio. Se pai
falou tá falado. Montei na Luana e saí morro arriba num galope só. Um trem meio
sem freio, em desabalada marcha picada firmada nas rédeas e no bridão.
O fato seguido foi na tronqueira do
Pasto do Silvio, divisa com Sô Antero. Chegar lá foi ligeiro e calmo. Chegou lá
é que se deu. Apeei da Luana, abri a tronqueira, passei e fechei. Daí ajeitei a
Luana, pus o pé no estribo e joguei. Sendo menino pequeno a força foi pouca e a
égua era cosquenta. No eu nem lá nem cá foi que Luana partiu num galope cerrado
começado com um refugo de repente. E eu? Chão. Caí foi de cara na braquiaria. E
Luana? Quando levantei que limpei a cara vi Luana do outro lado da grota num
galope estirado pro rumo do curral.
Daí o jeito foi voltar a pé. Remoendo
o fato acontecido com tão pouca idade, que não sabia se pensava na dor dos
esfolado, na vergonha do tombo, na burrice cometida ou na repressão do pai.
Repressão que nem foi acontecido.
Agora é que ocorre o fato principal
da força de coragem dada. Quando apontei na cabeça do morro, na estrada que
sobe e desce pro pasto do campo, pai avistou. E entrou. Quando cheguei veio
ele. Não xingou nem nada. Nada. Nem consolo, nem reprovação, nem decepção. Me
perguntou: quer ir de novo? Olhando pra Luana.
Eu mesmo não quis não. Estava
assustado ainda. Foi tombo perigoso pra menino. Mas é de perigo vencido, e erro
errado é que a gente cresce de mente, de ser, de pensar e de agir. E é isso,
que pra mim, meu pai fez sem querer, ou querendo, quando só perguntou se eu queria
ir de novo.
Das lembranças todas do que me fez
mais gente, maior em sentido de coração, caráter, retidão. Opinião, coragem e
bondade, essa passagem é por demais marcada. Encorajamento de pai em coisa
perigosa é que nem empurrão de filhote de gavião Carcará dos barrancos de lá da
minha roça, Morro de Campo, meu sertão. Esses empurrão é uma lei da natureza
que todo mundo merecia ter. Eu tive. E voei.
Tombo da Luana me fez mais homem. No
sentido de virtude e caráter. Pai mesmo nem deve lembrar do acontecido, mas o
fato ocorrido é muito e muito lembrado e sentido.
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