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Nação Ketu: a síntese do culto ancestral iorubano no Brasil - Parte !


                                                           *por não ter domínio sobre a grafia iorubá preferi escrever em português, conforme meu                                                                                    entendimento, as palavras, nomes e termos iorubás. 
                                                      *as referências são diversificadas e indiretas. Utilizo informações de pesquisas do Pierre                                                                                     Verger, Renato da Silveira e José Beniste. 

A pura racionalidade em palavras e argumentos nunca dará conta de explicar o que realmente é o culto ancestral dos Orixás. Isso porque as concepções de mundo na tradição Iorubá, que constituiu e ainda constitui umas das mais autênticas e singulares expressões de culto Ancestral do mundo. Temos no Brasil um grande expoente, talvez um dos maiores exemplos desse culto ancestral em plena existência, preservada e em expansão: o Candomblé de Nação Ketu¹. O Candomblé enquanto uma religião constituída a partir do culto ancestral Iorubá, tem como conceito estrutural a reconstituição de uma Nação territorialmente perdida no ato do embarque de um navio negreiro.

 Oió, Ilê Ifé, Ifé, Ketu, Osogbô, Irê, eram nações politicamente independentes e cultural e ancestralmente interligadas, que por resultado de um conjunto de fatores  Oduduwa é o patriarca dos reinos iorubas, sendo histórica e mitologicamente associado à fundação da cidade de Ifé após uma longa migração proveniente das regiões árabes (aproximadamente séc. IX d.C.).



Portanto temos aqui uma matriz primordial de toda a cosmogonia, mitologia, sistema oracular e numerologia iorubana: grupos provenientes do norte da África e regiões Árabes. Ao longo do tempo o idioma Iorubá subdividiu-se em dialetos ao longo das regiões e sub-grupos e reinos independentes, tais como os Ibô, (…). Séculos depois o trágico processo de expansão das atividades comerciais escravistas interligou, em interesses territoriais e econômicos, a expansão bélica/religiosa do mundo Islâmico ao lucrativo comércio de escravos para a América. E dessa interligação resultou em uma feroz expansão Jihadista e comercial empreendida pelo mundo islâmico aos reinos Iorubas que tinha como mercado de consumo de seus despojos de guerra (pessoas) portugueses, ingleses e espanhóis.  

É nesse cenário que predominava a hegemonia do Império de Oyó sobre outros reinos e sub-nações*, especialmente sobre o grupo Jeje. Um grupo linguístico irmão ou derivado do tronco Iorubá. Inclusive, segundo fontes diversas (José Beniste, Roger Bastide, Pierre Verger e outros) A diáspora forçada de grupos Jejes para a américa é também resultado de conflitos diretos com Iorubás e com os Haussás (grupo proveniente do norte da África, islamizados). Esse conflito amplo estabeleceu-se intensamente em fins do séc. XVII à meados do séc. XVIII.


Enquanto os altos círculos estruturais da sociedade brasileira se organizava suas articulações para manutenção arbitrária e entreguista de suas devidas estruturas de poder político e econômico, e ao mesmo tempo executava um projeto exclusivamente eurocêntrico de formação de uma nação “brasileira” (tal qual Missão Francesa), os grupos Iorubás chegaram e trataram de reorganizar, refundar sua nação ancestral, com a qual existia uma ligação dos mais variados e profundos aspectos. Foi organizado no Brasil um culto ancestral a partir do estabelecimento de 16 representantes do conjunto de nações de que eram provenientes a maioria dos iorubanos aqui presentes. O famoso Xirê composto por Exú, Ogum, Odé, Ossãe, Omolu, Oxumarê, Nanã, Iansã, Obá, Iewá, Oxum, Logun Edé, Xangô, Iemanjá, Oxaláguian, Oxalalufã. 


Cada um reprensentando uma região, uma cidade, uma linhagem específica que compunha a grande “nação” Iorubá.  As matriarcas Iyá ADetá, Iyá Kalá, Iyá Nassô, Babá Assiká e Bangboshê Obitikô conforme fontes como Pierre Verger e Renato da Silveira, pertenciam à linhagem direta do culto ancestral de Oyó, cidade-Estado predominante com estruturas de um império, o Império de Oyó. Tal império tinha por sua vez uma cidade-Estado integrada e aliad: Ketu. Esses eram os locais mais prósperos e dominantes do período da expansão islâmica. Portanto essas matriarcas reproduziram em uma dimensão religiosa algo que muito se aproximou da configuração nacional de grande grupo étnico. O candomblé de Nação Ketu é a síntese das nações (cidades-Estado, sub-regiões e reinos) do centro-oeste Africano, especificamente entre as inúmeras veredas que compõem a bacia do rio Níger. 



Essa síntese carrega em si uma coletânea de virtudes, com um acervo vasto de representações mitológicas, memórias tradicionalmente preservadas como um valioso baú de conceitos teológicos, concepção cósmica, princípios éticos, sistema oracular e simbólico que conecta espiritualismo, ancestralidade, forças/leis da natureza, misticismo e energia. Síntese que preserva a memória de ancestrais fundamentais na existência das muitas subnações Iorubás. Os Obás Odé e Xangô. O Patriarca Oxalufã. As matriarcas Iemanjá e Nanã, sendo que Nanã, seu filho Obaluayê (Omolu), também um antigo rei que teve suas terras invadidas pela expansão de Oyó. Fato que determinou a presença de muitos elementos de origem Jeje dentro do Candomblé de Nação Ketu.
O Brasil, tem em sua rica diversidade de matrizes que resultaram em ainda mais diversificadas tradições, uma especificamente singular porém muito pouco explorada. As tradições reproduzidas no seio de um grupo que pratica o Candomblé de Nação Ketu reproduz no tempo e no espaço, a resistência cultural de uma nação, no sentido mais essencial da palavra. As saudações, os símbolos, cores, rezas, palavras de uso cotidiano, ritmos, melodias, gestos, danças, procedimentos diversos.  Os mitos e ritos que consagram cada ação e atitude. Existem ritos que consagram o alimento, os objetos (babalaxé nylewá), a iniciação, as folhas, o sangue, o banho, a água, o álcool, os temperos, a carne, o sacrifício, os antepassados, o vento, o fogo, a pedra. Tudo é cotidianamente sacralizado com rezas e cânticos (orikis, adurás e adarins) dentro uma comunidade de candomblé. As noções de certo e errado (apesar da forte influência cristã) os princípios morais, a relação do ser com seus vícios, tudo isso é evidentemente autêntico com fundamentos sólidos e singulares proveniente de um grupo específico que apesar do contexto de violência extrema e opressão, conseguir organizar. Além disso, o Axé enquanto força cósmica que transmitimos de nós mesmos em conformidade e sintonia com os ancestrais, como se fosse a energia mais essencial à nossa existência como parte do universo. A pedra, o vento, a água, sua mente, seus suor. Tudo tem axé. Cargos administrativos vinculados à hierarquia religiosa (Babakekerê, Ialaxé, Axogum, Alabê, Pegigan, Babáegbé). Hierarquia religiosa baseada em compromisso com o servir, orientar, exemplificar e ensinar. A perpetuação oral e ritualística de um conhecimento milenar.
O Candomblé de Nação Ketu é um fenômeno religioso, cultural, político, ideológico, teológico, social e antropológico com uma imensa gama de possibilidades a serem compreendidas para serem valorizadas, preservadas e fortalecidas. E acima de tudo para que se tenha mais poder de preservação e resistência. Todos esses aspectos que compõem o universo do Candomblé de Nação Ketu é uma imensa fonte de informações, argumentos e evidências para a desconstrução de estereótipos e preconceitos ainda inexplorada. Fonte para buscar sanar a lamentável ausência de conhecimento específico. Para gerar argumentos em prol do respeito à diversidade assim como do auto reconhecimento por parte dos milhares de adeptos do Candomblé de Nação Ketu e de muitos outros cultos e tradições diretamente influenciados pelo culto ancestral africano. 

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