Pular para o conteúdo principal

Qualidades de Orixá



O culto aos Orixás no Brasil se estruturou a partir da formação de um Xirê composto para alcançar a diversidade do culto em África. Muitas pessoas de variados reinos iorubas vieram para cá, trazendo  consigo seu culto ancestral. Esse Xirê cumpre então a função de integrar em um único culto diferentes Orixás, cultuados de maneiras diferentes. Porém a diversidade de Orixás, na realidade é bem maior do que, os 16 Orixás que compõem o Xirê. E é daí que nasce a ideia de qualidade de Orixá.

Existem diferentes critérios para atribuir qualidades aos Orixás. Citarei aqui três exemplos. Ogum, Odé e Xangô.

Ogum, enquanto ancestral, foi um general de Guerra e rei de Irê. Conquistou muitos outros reinos ao longo de sua vida. Cada fase de sua existência foi marcada por conquistas, eventos e situações singulares que o caracterizaram e expandiram seu culto para diferentes e regiões. Desse modo cada qualidade de Ogum representa uma passagem de sua vida em que ele conquistou e viveu em determinada região e passou por situações diversas.

Odé, por sua vez, é um título. Odé significa caçador. Um dos mais importantes cargos dentro dos reinos iorubas era o de Caçador. Todo reino, toda aldeia, toda cidade ioruba tinha o líder e um grupo de caçadores. Nas terras de Kêto, Akueran era o caçador e rei. As terras de Igbô tinham seus caçadores e assim por diante. Portanto, cada qualidade de Odé, na visão de ancestralidade, é um Orixá diferente. Odé Akueran, Odé Ibô, Odé Ibôalamo, Odé Danadana. São essencialmente Orixás diferentes. Porém cultuados no Brasil de forma semelhante como um único Orixá.

Xangô é proveniente de uma linhagem real do Império de Oyó. Ao longo de séculos de existência do Império de Oyó muitos reis se sucederam. Dentre esses reis estão Airá, Aganju, Agodô, Afonjá, Xangô. Então mais uma vez temos um diferente critério para atribuir uma qualidade.

É fato que iniciar e cultuar um Odé ou um Xangô de qualidades diferentes não é exatamente a mesma coisa. Odé Akueran era cultuado, em África, com alguns rituais e elementos diferentes de Odé Ibô. Da mesma forma, existiam regiões dentro do Império de Oyó que prestavam culto a Airá enquanto outras regiões prestavam culto a Xangô. Então, quando os iorubanos vieram para o Brasil, trouxeram consigo esse conhecimento. É por isso que quando falamos, por exemplo, em Airá e Xangô, existem sim algumas particularidades no culto de cada um, porém eles estão inseridos, no Brasil, dentro de um mesmo culto, portanto podem ser cultuados como o mesmo Orixá. Numa visão antropológica eles não são o mesmo, mas numa concepção litúrgica de culto e ancestralidade eles estão no mesmo culto. Compartilham dos mesmos elementos, dos mesmos cânticos, dos mesmos rituais, salvas algumas exceções de detalhes como cores predominantes.

Pai Agenor Miranda, relata em uma entrevista que antigamente os Pais e Mães de Santo tinham como hábito auxiliar e trocar conhecimentos uns com os outros. Quando um não sabia como fazer os atos de determinado orixá, ou mesmo de determinada qualidade, outro auxiliava numa relação de amizade e compartilhamento, sem críticas e conflitos. Sem querer disputar filho$ de $anto ou cliente$. Isso pelo simples fato de que o conhecimento de cultos era diferenciado de acordo com a origem de cada um. O que assistimos hoje, comumente, são conflitos, contradições, críticas, discórdias sem fundamento histórico, religioso, antropológico ou litúrgico.


Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Linhagem do Candomblé Kêto no Brasil

Linhagem do Candomblé Kêto no Brasil – Por Alan Geraldo Myleo As informações que seguem foram retiradas do livro de Pierre Verger – Orixás – Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. A construção dessa linhagem que segue gera, até hoje, muitas divergências pois, além se serem baseadas em versões orais, envolvem uma certa vaidade devido a importância histórica, social, cultural e religiosa que envolvem tais versões. 1º Terreiro de Candomblé Kêto (oficialmente reconhecido) (Primeira metade do séc. XIX) Ilê Axé Iyá Nassô Oká Barroquinha, Salvador – BA 1ª Yalorixá - Iyá Nassô 2ª Yalorixá – Marcelina Obatossí 3ª Yalodê ou Erelun(como era conhecida na sociedade Geledé) Nome de batismo: Maria Júlia Figueiredo Obs: essa é considerada a primeira linhagem da Nação Kêto fundada com o auxílio do Babalawô Bangboxê Obiticô. Segundo algumas versões orais, YáNassô era uma das três princesas vindas do Império de Oyó( junto com Yá Acalá e Yá Adetá) que foram alforriadas por...

Por que evangélicos neopentecostais odeiam tanto as religiões afro?

Concorrência. Tantos os terreiros e centros de umbanda e candomblé quantos as igrejas neopentecostais se concentram nas periferias e favelas. Elas disputam um mesmo público em um mesmo espaço geográfico. Nas favelas e periferias estão as piores e mais frequentes mazelas. Drogas, violência doméstica, violência do tráfico, violência da polícia, falta de hospitais e escolas decentes. Na favela está concentrado o sofrimento geral que a pobreza causa. E tanto pastores e pastoras quanto pais e mães de santo estão atendendo e consolando essa gente sofrida. Cada uma consola a seu modo. Porém é comum as igrejas neopentecostais declararem ódio e intolerância abertamente contra "macumbeiros" como uma estratégia de manipulação e proveito da ignorância alheia. Um evangélico que mora na favela sempre tem um vizinho macumbeiro. O discurso do medo, do diabo, do feitiço, um pensamento medieval que ainda custa a vida e a honra das pessoas. Um macumbeiro não tem um evangélico como inimigo, a ...

Tem agente que não é gente.

O conceito de agente público, servidor público, é um dos alicerces fundamentais do processo civilizatório que o Brasil quase não tem. Um agente público serve o público, defende o público, o interesse, os direitos, a segurança, os corpos e os lares do público. Público é o conjunto de cidadãos que pagam os impostos, que por sua vez pagam os salários, aposentadorias e todos os recursos para que existam as instituições públicas. Só que o agente precisa ter esse conceito e essa "crença" no papel social do SERVIÇO público. Antes de reparar no pior, vamos reparar no melhor. Se existe escola, hospital, coleta de lixo e outros serviços públicos que funcionam, bem ou mal, é graças aos bons servidores públicos. Se ainda há crianças aprendendo a ler e escrever, hospitais atendendo pessoas é graças aos bons servidores públicos. E a coisa toda, da polícia ao sistema funerário, só não é melhor por causa da quantidade enorme de pessoas despreparadas moralmente, psicologicamente e intelectua...