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A fome e os impostos: uma analogia histórica do perfil ideológico do eleitor brasileiro

Esses dois fatores sempre se conjugaram como as principais forças motivadoras de transformações e movimentos sociais e políticos. Na França do séc. XVIII a burguesia reivindicava direitos políticos e fim dos privilégios da nobreza (esses sim verdadeiros vagabundos sustentados pelo 3º Estado) enquanto o povo se mobilizava em protesto contra a fome generalizada que assolava todo o país. Altos impostos somados à fome motivaram a maior e mais simbólica de todas as revoluções burguesas. 138 anos depois a fome generalizada motiva uma mobilização de massas apoiadas pela burguesia em ascensão também explorada e oprimida pelas forças czaristas da Rússia no início do séc. XX. Novamente fome e impostos mobilizando a maior de todas as revoluções socialistas que a humanidade já assistiu. É fato que os rumos que ambas as revoluções tomaram quando se organizaram em governos se distorcerem em torno da manutenção dos poderes concentrados nas lideranças de ambos. Mas as motivações básicas, fome e impostos, sempre se aliaram para as mudanças.

No Brasil esses fatores se articulam de uma forma bem singular. Nos últimos anos tivemos uma administração pública que direcionou parte dos impostos arrecadados para o combate à fome e à pobreza. Uma parcela da população que não esteve na condição de famintos passou a se sentir lesada pelo fato de seus impostos serem direcionados para tal combate. Criou-se um mito de que todos os programas sociais de combate à pobreza são sustentadores de vagabundos às custas de impostos de trabalhadores honestos. Mas esses trabalhadores “honestos” que pensam que sustentam vagabundos, na maioria dos casos, não tem nenhum tipo de conceito econômico formado que o faz compreender a dinâmica administrativa desse tipo de distribuição de renda. Também não são providos de conhecimento que os façam compreender que os ditos “vagabundos” sustentados também trabalham, consomem e pagam impostos na mesma proporção que todos.

Esses trabalhadores honestos que sustentam vagabundos reclamam que está muito difícil arrumar domésticas, pedreiros, faxineiras pois ficaram muito caros, uma vez que agora eles tem bolsa “preguiça”. Muito incomoda esses honestos, trabalhadores e pagadores de impostos perceber que agora domésticas, faxineiras e pedreiros não precisam trabalhar em troca de comida pois agora eles tem comida, e portanto podem exigir direitos tais como salário mínimo e carteira assinada.

Fome e impostos. Os impostos não diminuíram efetivamente, mas a fome sim. Esse governo colocou um xeque uma velha estrutura de castas sociais sem chance de mobilidade que agrediu a integridade daqueles, que tem como única mazela a pagamento de altos impostos. E se ofendem em saber que esses impostos estão diminuindo a pobreza e erradicando a miséria do país.

Ideologicamente os eleitores de Dilma Rousseff foram conduzidos pelos resultados sociais dos governos Lula/Dilma. Pela integração de pobres no ciclo de produção e consumo e pela expansão do acesso ao ensino, em todos os níveis.

Os eleitores de Aécio se dividem em dois tipos. Aqueles ideologicamente orientados pela crença nas privatizações, no Estado Mínimo, nos privilégios de classe, no nepotismo e favorecimentos, na participação de empresas privadas nos serviços públicos. E aqueles que apenas reproduzem as forças de uma campanha midiática suja, xenófoba, conservadora e reacionária sem compreender, nem mesmo genericamente, as ideologias que envolvem o candidato e os partidos de sua escolha.

Da atual divisão equilibrada que assistimos na política brasileira, a vitória maior foi contra a mídia. Houve um esforço intensivo de garantir a vitória do candidato da oposição. Houve um esforço sujo de denegrir a imagem pessoal da candidata Dilma sem fundamentos reais, sem provas. Atribuiu-se toda a corrupção que existe historicamente em nosso país a um partido político que está no governo há 12 anos. Maximizou-se erros através de mecanismos compulsórios em um jornalismo podre. Potencializou-se um ódio descomedido aos pobres e nordestinos, como se o brasileiro não fosse desonesto e corrupto por natureza cultural.

Enquanto os que se sentem lesados pelos impostos (como se todos nós não fossemos) canalizam seu ódio aos pobres, os parlamentares cochilam nas poltronas do congresso e do senado esperando o próximo momento de aumentarem os próprios salários. Pela lógica histórica deveria ocorrer uma integração entre aqueles que lutam contra impostos com aqueles que lutam contra a pobreza. Mas, nas terras tropicais dessa gente tupiniquim a lógica não se aplica quando se trata de ideologia política e ação social.


Talvez o leitor questione: e o mensalão. A corrupção é histórica. Estrutural, cultural, é quase um modus vivendi intrínseco no inconsciente brasileiro. “Tirar vantagem sobre tudo e todos” é uma das traduções do jeitinho brasileiro. Mas quando falamos de corrupção de instituições, órgãos e cargos públicos a coisa é mais complexa. Para tal indico a leitura “OS DONOS DO PODER” de Raymundo Faoro.  

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