Do
pensamento iluminista nasceu a ideia de articular um governo sob três poderes.
Com o intuito de dar conta das complexidades do mundo moderno em urbanização e expansão,
a divisão dos poderes, teoricamente, visa o equilíbrio e a cooperação entre
poder executivo, legislativo e judiciário. A articulação equilibrada desses
poderes deveria resultar em uma administração coerente e eficiente. Alcançaria
a diversidade de interesses e necessidades dos grupos e indivíduos.
Entre
tais poderes, o legislativo é o mais importante, de acordo com a essência da
democracia. Nele se concentram as representações escolhidas pelo povo de acordo
com a região, classes e setores. Entre vereadores, deputados e senadores estão
aquele que representam profissões, setores de serviços como educação, saúde e
transporte, grupos religiosos, estudantes, produtores rurais, ambientalistas,
questão negra, questão indígena, turismo, direitos da mulher, da criança, do
idoso. Muitos são os interesses em jogo no seio de qualquer sociedade. Portanto
as pessoas escolhidas por esses grupos têm a função de elaborar projetos de lei
e políticas públicas que atendam as necessidades e interesses dessa
diversidade, oferecendo um nível adequado de bem estar social.
Ao
executivo cabe a execução dos projetos e políticas públicas. O controlo sobre a
arrecadação de impostos, a contratação, formação e administração dos serviços
públicos e das verbas. A distribuição de cargos administrativos visando a
eficiência e a imparcialidade politica na execução. Cabe também a avaliação dos
projetos e ileso de sua viabilidade políticas. Da garantia de que as ações tenham
como objetivo único o bem estar social e os direitos fundamentais á dignidade
humana
Ao
judiciário cabe julgar, punir e recuperar indivíduos e instituições que
coloquem em risco a integridade, a dignidade, a liberdade e a vida dos outros. Cabe
também o controle e fiscalização sobre a execução das leis e projetos. Da
atuação dos legisladores, de sua conduta política dentro de um senso se
legalidade elaborado e aprovado pelos próprios poderes legislativo e executivo.
Ou seja, todas as leis e códigos penais, criminais, civis são elaborados pelo
legislativo, aprovadas pelo executivo e avaliadas pelo judiciário.
Na
prática a articulação entre esses três poderes não objetiva o bem estar social
e o serviço público. Mas sim uma manutenção de poder politico e favorecimentos
que atendam os interesses dos grupos envolvidos e dos patrocinadores de campanhas.
O poder legislativo é o centro das articulações de redes de corrupção, tráfico
de influência, troca de favores, distribuição de cargos e outras vantagens.
Tudo isso é proporcionado pela estrutura partidária em que cada grupo é
representado por um diferente partido. E das alianças entre os partidos formam-se
grupos dominantes que decidem e aprovam leis, projetos e ações. Se um deputado
ou vereador apresenta um projeto na câmara, os outros devem votar a aprovação
ou não desse projeto. Até aí muito coerente. Desde que a análise e aprovação
desse projeto tivesse como critério sua
qualidade e eficiência ao bem estar público. Porém os critérios para aprovação
são as vantagens que tal projeto oferece às partes envolvidas. Na divisão de
poderes, membros de um partido que é oposição ao outro, no caso o autor do
projeto, não apoia a aprovação pelo simples fato de ser oposição. Contribuir
para o sucesso e prestígio político do adversário tem maior peso do que
contribuir com os interesses públicos. Assim as articulações de interesses são
permeadas pela divisão de setores. Em uma câmara de deputados, vereadores ou no
próprio senado, os ruralistas não apoiam os ambientalistas. Os evangélicos não apoiam
os representantes das minorias (gays, negros, indígenas, mulheres); os
representantes dos trabalhadores não apoiam o empresariado. Os nacionalistas
não apoiam os neoliberais. Em fim, as oposições cumprem um papel de constante e
inescrupulosa disputa pelo poder. E os acordos que ocorrem, que ocasionalmente
aprovam algumas medidas, se dão pela troca de favores, por compartilhamento de
vantagens e apoios ou mesmo compra de tal apoio, tal qual os mensalões. Aqueles
escolhidos pelos partidos para ocuparem os cargos executivos assumem uma inglória
missão. Articular os interesses diversos para quer medidas sejam aprovadas. O
presidente que pertence a um determinado partido, para ter o apoio de outros
partidos, oferece e distribui cargos. Vice, ministérios, direções, secretarias,
comissões são distribuídas como moeda de troca. Exemplo recente na história do
Brasil foi a posse de Marcos Feliciano, um deputado evangélico fundamentalista,
racista, homofóbico e pastor, no cargo de presidente da Comissão de Direitos
Humanos. Esse caso foi o exemplo perfeito desse tipo de articulação e incoerência
com o que é, na essência a democracia. E no fim das contas quando tudo dá
errado, ou pelo menos, para quem dá errado, a culpa é do presidente. O
presidente é sempre responsabilizado pelos efeitos de toda essa máquina. E isso também é estratégico. Trocar o
presidente, por eleições ou deposições, é mais fácil e prático do que
reformular toda essa estrutura.
O
poder judiciário no Brasil assim como a carreira militar de alta patente segue
uma lógica quase medieval. Ele é praticamente hereditário e vitalício. São
famílias tradicionais que ocupam os cargos de juízes, promotores, donos de
cartórios. Com poucas exceções, esse poder cumpre um papel muito conveniente às
redes de corrupção. O papel de controlar, fiscalizar e investigar o cumprimento
das leis, a coerências das ações públicas em relação a constituição, a
legalidade da conduta dos representantes políticos, entre outras coisas, é do
poder judiciário. Porém a posse para as cadeiras mais altas desse poder é dada
pelo poder executivo, com a aprovação do legislativo. Por isso a conveniência.
Aquele que foi indicado não se voltará contra quem o indicou, a não ser em
casos de traidores e conspiradores.
Em
quanto isso, nós, cidadãos pagadores de um dos sistemas fiscais mais complexos
e injustos do mundo, suportamos o descaso do poder público aos nossos direitos.
Os três poderes instituídos pelo pensamento iluminista vem de um contexto em
que a modelo estado burguês foi
estruturado para parecer justo, democrático e inclusivo. A própria
constituição, elaborada pelos legisladores, posta para atender os interesse de
todos os cidadãos apresentam um enorme fosso entre teoria e prática. Uma vez
que uma lei ou principio escrito permite interpretações, habilidade própria dos
advogados, juízes, promotores e políticos profissionais, qualquer lei pode ser
conduzida pela oratória e pela retórica para um determinado fim. Portanto a
articulação entre os três poderes, cria uma suposta estrutura democrática que
oferece o voto ao povo como mecanismo de ação cidadã. Isso, na realidade, mantém
uma estrutura rígida de articulação de interesses e manipulação dos interesses
coletivos em prol dos interesses de poucos.
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