Sobre Cultura
A
cultura é um dos fenômenos mais subjetivos e relativos entre as manifestações
do intelecto humano. Subjetivo por estar totalmente relacionado à qualquer hábito
pertencente à um grupo social. E relativo por se dar de maneira tão diversificada,
de acordo com a realidade e necessidade de cada pessoa ou grupo.
Desde
as expressões mais fundamentais como gestos, códigos, língua até as complexas e
profundas expressões artísticas, a cultura marca o conjunto de significados, métodos
e técnicas desenvolvidas para um determinado fim. Todos os povos do mundo
aprenderam a plantar e a cultivar os próprios alimentos e a manipulá-los. Isso é
uma atividade econômica para a manutenção de uma necessidade social. Porém o
que se planta, como se planta e quando. Como se manipula e armazena. Como se consome
e se cultiva. Tudo isso é uma questão cultural. A expressão mais adequada para caracterizar
a cultura é “como”. Não importa “o que”. As diferenças culturais se manifestam
em “como” se pratica, “como” se expressa, “como” se produz.
O
surgimento das relações de poder entre os povos gerou uma hierarquização da
cultura. Surgiu uma equivocada concepção de superioridade cultural de uns em
relação a outros tal como a ideia de
sofisticação ou refinamento cultural. Se compararmos, por exemplo, os hábitos
de higiene pessoal dos povos indígenas das américas aos mesmos dos europeus em
uma mesma época poderíamos associar superioridade aos indígenas. Se compararmos
também o domínio sobre medicina dos árabes às mesmas técnicas dos saxões em
meados do séc. X faríamos também o mesmo tipo de associação. Porém comparações
no plano da cultura não permitem juízo de valor. Pois tais hábitos, características,
nível de desenvolvimento e sofisticação de determinadas práticas não representa
uma cultura melhor ou pior. Todos os traços culturais de um grupo são
resultantes de necessidades e prioridades. Para um determinado grupo a higiene
pessoal é uma necessidade mais ou menos importante do que para outro. Ou melhor,
a classificação de “importante” ou não
é, em si, cultural. Relativa aos valores vigentes.
Herdamos
das tradições e valores greco-romanos, a concepção eurocêntrica de cultura. E tal
concepção nasceu para servir às relações de poder estabelecidas. Pelo imperialismo
grego e romano. Sobre os outros povos. Quando o dominante impõe sua cultura ao
dominado torna o dominado mais fraco, portanto mais submisso. Essa lógica foi reproduzida
em todo processo expansionista, colonizador e imperialista empreendido pelos europeus.
O processo de aculturação é uma estratégia de dominação. E tal estratégia pode
ser associada pela violência, pela insistência, prela repetição, pela corrupção.
É ao longo da formação das sociedades contemporâneas que essas estratégias
foram aplicas sobre todos os povos do mundo, em diferentes níveis e diferentes
momentos.
O
mundo atual é baseado em tal concepção. E culturalmente há uma divisão que foi
muita rígida no séc. XIX e XX e que ainda vigora. Cultura e folclore. Essa divisão
representa a padronização entre o que é de origem europeia (balés clássicos,
cinema, poesia, literatura, sinfônicas) e o que não é. No caso do Brasil toda
manifestação popular originada pelo sincretismo, ou mesmo aquelas originalmente
indígenas ou africanas, são classificadas como folclore. Obviamente essa
divisão é hierárquica. Marca uma nítida valorização
de uma em detrimento da outra.
Há
também a elitização intelectualizada, classificatória e discriminatória. Ou seja, a hierarquização pelo grau de complexidade
da produção. Como se uma obra sinfônica de Vivaldi fosse “melhor” do que uma
harmonia e melodia popular que não usa mais de três notas musicais e compassos
simples.
Outra
classificação cultural comum ao nosso tempo que se dá também por critérios étnico
e sócio culturais é a questão de gênero musical. O rock, essencialmente americano
e inglês, com estruturas harmônicas e rítmicas simples é considerado um gênero próprio
de pessoas que se classificam como intelectuais. Enquanto ritmos populares de
aceitação das massa como pagode e funk são considerados inferiores. Cabe
ressaltar que a aceitação é algo relacionado ao momento histórico e social. O
rock, quando elaborado e reproduzido, era considerado música de “pretos” nos
EUA. Quando Elvis, Beatles e Rolling Stones apareceram no cenário da música a
aceitação foi bem diferente. Há também que ressaltar que a maioria dos ritmos e
gêneros do mundo contemporâneo tem matriz afro. Especialmente os ritmos
americanos, de norte à sul.
O
choque de gerações também gera a classificação. Um ritmo tradicional é
considerado melhor do que as versões mais modernas do mesmo gênero. São
considerados os ritmos de raiz. As melodias e a poética das letras também influenciam
a valorização cultural das manifestações musicais. Critérios semelhantes são
aplicados a todas as dimensões da cultura, tais como culinária, vestimenta,
artes plásticas e literatura.
A
questão que nos cabe e ressaltar a contradição de se atribuir juízos de valor
em expressões culturais. O próprio “valor” é cultural. A concepção de bom e
ruim, construtivo ou banal, certo ou errado é algo cultural. A sofisticação técnica não determina a beleza artística. O
refinamento dos hábitos não determina o caráter humano do indivíduo ou do
grupo. Toda e qualquer expressão é própria de um grupo, um contexto, um tempo. Suas
transformações e misturas são espontâneas. E ocorrem dentro de sim mesmas, para
satisfazer o grupo que o produz. Satisfazer em vários sentidos. Seja pela
exaltação ou pelo protesto. Se minha
expressão me diverte, me representa e me satisfaz então ninguém tem o direto de
atribuir juízo de valore a ela.
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