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O valor e a função do preceito






Os cultos religiosos de matriz afro, especialmente o candomblé, tem um forte atrativo àqueles que se interessam em conhecer a religião, e que, muitas vezes, acabam se envolvendo. Na religiosidade afro quase todos os rituais se praticam cantando e dançando.
Ritmos, melodias e cores são inseparáveis no candomblé. Além disso, há a confraternização como uma regra fundamental. Na grande maioria das casas e roças de candomblé as pessoas comem e bebem em comunhão e de graça. Para as pessoas que nascem e crescem nesses ambientes isso é algo natural, porém para aqueles que não conhecem esses costumes é impressionante o fato de as pessoas praticarem sua religião cantando e dançando além de oferecer para qualquer um que participe, comida e bebida de graça. Prática que foge a concepção religiosa da maioria das pessoas.

No entanto isso é também uma grande armadilha, pois, essa realidade causa a impressão inicial de que é fácil ser de candomblé, pois tudo é permitido. Porém o que as pessoas não percebem é que a parte onde se canta, dança, come e bebe em comunhão não é a religião em si. O candomblé é repleto de rituais, regras, hierarquia, restrições e obrigações que só pertencem aos iniciados. Ser do candomblé e praticá-lo efetivamente exige muita disciplina e dedicação, principalmente no cumprimento dos preceitos.

Um dos princípios fundamentais na prática religiosa candomblecista é o constante exercício de manutenção do equilíbrio entre matéria e espírito. E todas as vezes que um candomblecista passa pelas obrigações, de feitura até os 21 anos, é necessário cumprir um prazo de resguardo do corpo, pois a obrigação é um momento de aprimoramento e evolução espiritual. Ou seja, é necessário resguardar o corpo para o que o espírito seja beneficiado em seu fortalecimento. O momento do preceito é o momento em que se poupa o corpo de seus vícios, de seus impulsos sexuais, das vontades individuais ligadas aos prazeres. Esse exercício de lidar com a abstinência, ou seja, de abster-se  de suas vontades próprias em função do orixá, na realidade é em função de você mesmo. Dedicar-se aos preceitos fortalece a capacidade de concentração, o autoconhecimento, lhe dá forças para combater os próprios vícios e defeitos. Além disso o preceito é essencial para fortalecer a força espiritual e mediúnica após os rituais de obrigação devido ao fato de sairmos mais sensíveis de tais rituais. Ou seja, saímos das obrigações com o corpo aberto e o espírito sensível às negatividades e energias externas. E o  momento do preceito é o momento de “cicatrização” do corpo material e espiritual.

É importante destacar que o preceito gera polêmica e divergências quanto ao tempo em que se dedica a ele. Qual seria o tempo correto? 1 ano, 3 meses, 21 dias? É algo relativo que exige uma contextualização. Nos tempos das roças de candomblé, em que as atividades comuns aos candomblecista era a agricultura, a pesca, o comércio em feiras e portos e outros empregos autônomos ou liberais haviam condições de dedicar mais tempo aos preceitos. Existiam pessoas que viviam nas roças para auxiliar em tais preceitos e nas limitações que envolvem o tempo de resguardo. Porém no ritmo de vida urbana do mundo contemporâneo isso se torna mais difícil. Não há tempo disponível, não há flexibilidade no emprego formal, não há pessoas disponíveis para o auxílio necessário à um preceito tradicional e longo. Por isso é necessário haver a consciência que a qualidade de um preceito não é o tempo cumprido, mas ao nível de concentração, ao respeito às restrições e a dedicação total da mente ao preceito posto. Preceito com sofrimento ou fingimento (pessoas que aparentemente cumprem as restrições) não tem seu devido valor e função. É algo inútil. A ansiedade e a angústia impedem a boa concentração e dedicação de um preceito ideal. Desse modo o mais importante não é o período a se cumprir, mas a qualidade com que se cumpre. Se o preceito é de 3 meses ou 21 dias não importa. Depende das condições e da tradição a que se segue. E mais ainda na qualidade com que se cumpre esse preceito.

A incompreensão sobre tais questões leva muitas pessoas a abandonar a religião, ou pior, levar uma vida espiritual sem nenhuma dedicação nem evolução espiritual. E isso limita toda a capacidade de concentração mediúnica necessária à prática do candomblé.

O preceito é uma questão de tradição que tem princípios com fundamentos milenares, e não apenas uma invenção ou vontade dos pais e mães de santo.

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