Os textos a seguir compreendem um
estudo interpretativo da obra de Sérgio Buarque de Holanda. O objetivo é
compartilhar comentários e observações a respeito dos aspectos principais apresentados
pela obra ao longo de seu desenvolvimento de uma maneira simplificada e
acessível à alunos do Ensino Médio e principiantes dos cursos de História. O que
não ausenta a necessidade de se estudar a própria obra.
Visão do Paraíso – Prefácio à segunda edição – páginas IX á
XXIV
A colonização da America, O novo
mundo, foi considerada e registrada como a conquista do paraíso. O éden bíblico
prometido por Deus. De norte a sul. Entre ingleses, espanhóis e portugueses a
concepção e ambição de fazer dessas terras o lugar da liberdade e da prosperidade
foi algo comum. Houve, contudo, diferenças fundamentais nas estruturas e
estratégias de colonização de ambas. Portugueses e espanhóis compartilhavam a
moral e ética católica e estruturas predominantemente feudais. Os ingleses se fundamentavam,
por sua vez, em um ethos calvinista de predestinação e trouxeram uma visão
relativamente mais moderna, o que determinou diferenças essenciais entre América
latina e a America Anglo Saxônica. Diferenças que se manifestavam com mais
intensidade no objetivo de estar aqui. Os latinos vinham buscar no paraíso os tesouros
e a fonte da juventude. Os anglo-saxões buscavam um paraíso para se
estabelecerem com suas famílias, em campos verdejantes com pastos em abundância
e a ausência da opressão religiosa que estava em voga no velho mundo. Porém a
visão cristã, eurocêntrica e patriarcal, fantasiosa pela idéia de direito divino,
missão civilizatória e catequizadora sobre as terras e os povos que nela se
encontravam foi comum a ambos os colonizadores. Assim como era também comum a idéia
do paraíso, com clima amenos, vitalidade do ambiente, entre outras coisas
comuns à um paraíso.
1-
Experiência e Fantasia – 1ª parte - pág.
1 à 5
O séc. XIV e XV, enquanto período de
transição entre o misticismo e ocultismo religioso para o racionalismo e o
cientificismo moderno, trouxe o colonizador com uma mentalidade em transição. A
maneira com que o homem do renascimento percebia o mundo à sua volta, durante o
choque das civilizações, e o empreendimento de se estabelecer-se nesse no novo
mundo, o prometido paraíso, compartilhavam simultaneamente da visão mágica a
respeito das causas e efeitos dos fenômenos e do empirismo, da experiência vivida
e sentida em todas as dimensões de tal aventura. Sobre tal simultaneidade
conflitavam-se as tendências modernas materialistas do mercantilismo e as
tradições hierárquicas e espirituais do catolicismo. Pairava uma obsessão pela
fantasia e uma ambição pela riqueza material, conjugando-se num alicerce da formação
do homem que se estabelecia no novo mundo.
2ª parte – 6 à 12
A fantasiosa visão do paraíso era
inversamente proporcional à experiência vivida. Quanto mais as experiências se
tornavam relatos escritos e falados mais fantasiosos, paradisíacos, inocentes e
exóticos esse novo mundo era representado com seu ambiente natural, seus
animais e sua gente.
Semelhante foi a expansão à África. Nesse
período de transição (renascimento) muitos esforços se faziam em sintonizar as
experiências adquiridas, o conhecimento sobre sociedades e geografias às
verdades bíblicas. A expansão do velho mundo limitada à África saariana e às índias
orientais iam, passo a passo, complicando as explicações bíblicas de criação e
descrição do mundo. Quando se atingiu o outro lado do atlântico tal problema
continuou a se apresentar, porém sem perder, inicialmente, a essência mágica e
religiosa de justificações e determinações para as ações colonizadoras. A exemplo
do bom selvagem como filho puro de Adão. A terra sem males onde não há doença. A
cidade sagrada construída de ouro puro,
o Eldorado. A fonte da juventude e da vida eterna. As ervas medicinais, as
especiarias, as comunidades e finalmente a abundância de ouro deram ainda mais
vivacidade à tal visão do paraíso.
2-
Terras incógnitas – pág. 15 e 34
O entorpecimento renascimento em que se encontrava o
colonizador aventureiro ressignificou inúmeras lendas, mitos e personagens da
mitologia grega, dos relatos de Julio Verne e outros aventureiros desbravadores
do desconhecido. Além disso o contato com os nativos e a tentativa de aprender
a língua da terra para arrancarem deles os relatos de caminhos para os
tesouros, gerou interpretações e distorções de lendas e histórias locais que
produziu e divulgou tais ressignificações, merece destaque o mito das amazonas.
Inúmeros relatos de uma ilha paradisíaca habitada por mulheres. Tal
possibilidade atravessou o atlântico despertando a curiosidade e o desejo de
aventureiros. Muitas expedições motivas pela busca, por tal ilha ou local onde
as mulheres viviam de modo independente e autônomo, sem o braço e o falo
patriarcal, a não ser por sua própria vontade e para sua própria serventia,
adentraram florestas e rio, circundaram ilhas e penínsulas inteiras. Alimentado
pelo sonho de que junto as amazonas viriam o ouro e a fonte da juventude. O tão
sonhado paraíso. As lendárias amazonas seriam a passagem para o tão sonhado
eldorado e lá também estaria a fonte da juventude, de onde jorrava a águas que
daria a vida eterna. Esse era o paraíso terreal.
3-
Peças e Pedras – pág. 36 à 66
As promessas bíblicas do paraíso terreal donde nasciam os
grandes rios com suas águas sagradas, e onde haviam serras inteiras cobertas
por ouro e pedras preciosas alimentou a ambição lusitana. O anseio de
encontrar, do lado de dentro do tratado de Tordesilhas, um Peru em terras
brasileiras, com sua devida abundancia metálica e brilhante, permeava o imaginário
dos aventureiros que pra cá vinham. Os empreendimentos e esforços para adentrar
as florestas e grandes rios reproduziram relatos que alimentavam o imaginário fantástico
que circulava em bocas, ouvido e palavra escrita em portos de todo o Atlântico,
e além. Quanto mais se buscava o Peru brasileiro em terras locais, mais
maravilhados ficavam os aventureiros com os fenômenos naturais e outras
singularidades dessa terra. E quanto mais se conhecia mais se fantasiava sobre
tais singularidades, aproximando a visão que se construía ao tão sonhado
paraíso. No entanto, por mais de cem anos de busca por tal paraíso, nenhuma
terra de amazonas, nem fonte da juventude, muito menos uma cidade dourada de
serras brilhantes foram encontradas. Todavia riquezas outras foram
aproveitadas. E uma das mais lucrativas e cruéis ações para tirar proveito de tais empreitadas
foi o aprisionamento dos gentis, verdadeiros donos e senhores dessa terra. Quase
nunca com facilidades, visto a resistência e habilidade de guerra por parte dos
nativos neste ambiente. Tão inóspito ao europeu e tão familiar ao ameríndio. Nessas
longas décadas de exploração além de escravos, animais e plantas exóticas para
os mais diversos usos, foram se estabelecendo feitorias que se transformavam em
vilas e fazendas. Postos de descanso e referencia para a busca de outros
caminhos que levassem a realização do sonho paradisíaco. Foi isso que motivou o
processo de interiorização do país, que tanto desmatou, escravizou, assassinou
e dizimou povos inteiros. A visão do paraíso que trouxe o verdadeiro inferno
aos ameríndios, que mesmo com a aguerrida resistência das não reconhecidas “civilizações”
como o eram (ou é) os Tupinambás, os Aymorés e muitos outros.
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