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No Dia de Consciência, Eu Vi


Aquele dia era um belo dia. Um dia de cores. De sol. De sabores, saberes, odores. Teve chuva também. Foi no Vale do Anhangabaú. 20 de Novembro de 2013. Quarta feira de primavera/verão. Tinha comigo duas crianças pretas. Eu? Sou branco. Branco preto. As crianças eram pretas. Pretas pretas. Por algum motivo, muitas pessoas, pretas e brancas, pretas brancas, pretas pretas, brancas brancas, viram em nós algum tipo de atração, curiosidade... sei lá. Vinham tirar fotos. Do branco com os pretinhos. E me perguntavam: são seus? E eu respondia: sim são. Abria-se um sorriso e uma interrogação. Mas seus mesmo? Sim. Meus meus. Como? Não importa como. São meus. Só isso. Nunca imaginei que um branco com crianças pretas chamaria tanto a atenção no meio do dia de consciência. Será minha consciência?
Naquele dia vi muitas cores. Muitos tons. Cabelos de todas as formas e densidades. Com acessórios e sem. Com panos e sem. Com dreds e sem. Lenços e chapeis, tranças e mais tranças. Que lindos cabelos. As crianças corriam e dançavam. Gostam de dançar. Dançaram samba, pagode, funk, hip hop, Black, reggae, melodias e balanços. Vi o Hip Hop Mulher. As mulheres do Hip Hop. E tudo vivo. Vivo vivo. Ao vivo.
Vi Leci. Leci Brandão. Ícone da negritude paulistana e brasileira. Aclamada como rainha. Rainha dos negros do Vale do Anhangabaú. Seu discurso foi digno de uma rainha negra. Falou contra a violência, contra o silêncio dos violentados. Falou contra a hipocrisia das instituições e seus chefes. Falou da união, da fraternidade. Palavras de rainha.
Vi também o prefeito. Ao lado da rainha. Vaiado como demagogo. Discursou sob vaias, garrafas voando. E continuou discursando. E as vaias não paravam. Um povo insatisfeito. Um prefeito falastrão. Eleito pelo povo. Pela educação. E por quem nada fez. Só disfarçou. Será que ainda é tempo?
Em baixo do prefeito vi mendigos. Vi drogados. Vi mães, filhos, pais e avós. Vi famílias e vi órfãos. Vi professores como eu. Vi religiosos como eu. Vi brancos e pretos como eu. Vi trabalhadores e vagabundos. Vi gordas, magras, sexys, meigas. Vi altos, baixos, fortes e fracos. Vi senhores e senhoras. Donzelas e rapazes. Vi muitas crianças. Em baixo do prefeito.
No dia de consciência vi também o Ilu Obá. Suas mulheres, lindas, negras, princesas, guerreiras. Mulheres negras. Tocando o xirê. Pra Xangô, Oyá, Ogum e Oxalá. Vi pessoas mostrando sua cor. Mostrando sua fé. Mostrando seus cabelos, sua alegria, seu orgulho.
No dia de consciência vi o que todos deveriam ver. Fui o que todos deveriam ser. Mais um mestiço brasileiro, com orgulho de ser macumbeiro. Mais um amante da diversidade. De cores, sabores, ritmos e amores.  Eu vi no dia de consciência. 

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