À minha frente
vejo uma mesa. Em sua volta uma família feliz. Bebendo, comendo, cantando,
gargalhando. Ao lado da mesa. Vejo restos de alimento. Ao redor dos restos
outra família feliz. Um bando de pombos comendo, grunhindo, brigando, pulando. Olho
pra cima e vejo nuvens. Juntas, unidas como uma família. Felizes. Quase chovendo.
Prestes a despejar sobre mim bilhões de lágrimas de felicidade. À minha frente,
logo abaixo de minha caneta, vejo uma família de linhas sobre um papel branco. Felizes
a receber minhas letras. Estranhas mas verdadeiras. Vejo ainda, sobre minha
cabeça, uma câmera a vigiar cada momento. Cada movimento. Feliz a guardar em
sua memória cada imagem. Cada expressão de vida. Do vento, do pombo, de mim, do
universo. Mais ao lado vejo outra família. Palmeiras felizes. Dançando ao
vento. Soprando com carinho, como só se encontra no litoral, momentos antes de
um temporal. Todos são felizes. Por serem o que são. Como são. Apenas existirem
lhes basta. Comer, sorrir, brincar, brigar, dançar, chover, filmar, soprar. Apenas
ser o que foi feito para ser. Ser na simplicidade. Ser como se deve ser. Ser em
sentimento. Ser também em sofrimento. Como eu mesmo sofro. Como todos sofrem,
por vezes. Ter no sofrimento um fator de equilíbrio. Daquilo que somos junto ao
cosmos. Às forças do universo. Ser como somos. O que somos. Como estamos. Humanos.
Hoje é o dia do registro do meu vô. Zé Nogueira. Puxador de enxada. Agricultor raiz. Aquele que planta, rega, aduba, colhe, carrega no carrinho de mão. Nunca gostou de explorar nem criação, como cavalo, mula e burro e boi. Aquele que pega, carrega e vende no carrinho de mão. Com as próprias mãos. Anos e anos batendo perna na cidade inteira, vendendo e vendendo, à vista e fiado, mas cobrando com classe e gentileza: leva esse e fica devendo 2, dona Maria. Zé Nogueira. A pouca memória que tenho como neto dos do meio, é tanta que não cabe aqui. Mas só sei que é boa. Memória boa. De um neto que herdou coisa boa. Bença vô!
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