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O Candomblé e Suas Simbologias



·  Bater Cabeça

Dentro das tradições simbólicas nas religiões afro-brasileiras em geral, a ato de “bater cabeça”, ou seja, se prostrar com a testa no chão aos pés do Sacerdote ou da própria entidade a que se está cultuando é comum a quase todas. Mas afinal, o que significa ou envolve tal atitude?
O ato de “bater cabeça” carrega em si vários significados.
Das mais antigas tradições dos reinos teocráticos de todo o mundo, a relação com o chefe de governo era sagrada. Não se podia olhar nos olhos de seu rei ou de sua rainha. Em sua presença os súditos ficavam prostrados ao chão.
Os africanos vindos como escravos para o Brasil viviam, em África, nesse mesmo tipo de sociedade. Reinos e cidades-estados teocráticos. Mantinham relações totalmente sagradas com seus reis, rainhas, príncipes e princesas.
E tais relações eram de comum acordo, pois, por ser considerada sagrada, não necessitava de obrigatoriedade pela força. A própria relação com o sagrado predispunha os súditos ao respeito às leis. Ninguém contestava, salvo exceções, a legitimidade da autoridade por uma questão cultural. Pelo reconhecimento ancestral e religioso daquele sacerdote ou sacerdotisa.
Os candomblés de nação formados no Brasil buscaram preservar muito dessas tradições comuns aos reinos, pois não se separava sociedade, política e religião. Da mesma forma não foi possível separar totalmente as tradições religiosas reproduzidas aqui das tradições sociais do cotidiano. Em outras palavras, quando se estruturou os Candomblés de Nação, em especial o Ketu buscou-se a preservação das relações sociais e hierarquicas. E uma dessas permanências foi a relação com o sacerdote como um governante daquela mini sociedade, no caso os terreiros e casas de Candomblé. Ou seja, a princípio o ato de “bater cabeça” é a reprodução de uma relação entre líder e súdito milenar e comum a muitos povos.
Além da tradição social, existe a relação com a terra. Nosso “Ori”, ou seja, nossa cabeça, nossa mente tem como referência de sagrado a terra e não o céu. Da terra viemos e a ela voltaremos, como diria o cristão. Sempre quando se menciona o nome de alguma entidade importante se volta a cabeça ao chão, à terra que é a origem e o fim de tudo que é vivo e orgânico. Louvamos a terra e não ao céu. O gesto de levar a mão ao chão e depois ao “Ori” para então beijar a mão novamente, nada mais é do que a representação de “bater cabeça”.
A autoridade é outro fator importante. Quando você se presta a colocar-se de cabeça ao chão perante outra pessoa, no caso o Sacerdote (Babalorixá ou Yalorixá), você se declara, perante a sociedade, submisso àquela pessoa. Porém não é apenas uma submissão política e social. Mas sim sagrada em que se entrega a própria vida, as próprias decisões àquela pessoa.
Muito bem. Deveria ser assim. Mas para a maioria das pessoas é um gesto convencional. Muitos praticam, mas não sabem seu significado. Prostram-se aos pés de pessoas que não respeitam, apenas para cumprir uma formalidade sem saber da importância e do significado de tal gesto.
Assim como o “bater cabeça” muitos outros gestos, símbolos e relações dentro dos Candomblés de Nação buscam preservar tradições que vão além do campo religioso. Isso porque religião, política, sociedade não se separava nas sociedades africanas Iorubas, Jejes e Bantos. É a ética e os valores religiosos que inspiravam as atitudes sociais e políticas.


·  Obi
O Obi é a fruta sagrada dos Yorubás que consagra muitos dos ritos. Ele serve como um tipo de instrumento oracular que traz uma determinada confirmação em determinados rituais. Mas seu uso é muito mais popular do pensam a maioria das pessoas. Mais conhecido com noz-de-cola, o Obi já foi utilizado como moeda corrente entre os comerciantes africanos de séculos passados. Suas propriedades protéicas e energéticas, com alto teor de cafeína por exemplo sempre fez do Obi um valiosíssimo produto. Ele é também a matéria prima do produto mais vendido do mundo: a Coca-Cola. O Obi é a matéria prima para qualquer refrigerante de cola.

·  Paó 
O ato de bater as palmas das mãos cadenciadamente simboliza o coração do Orixá. A pulsação da vida. Ao início e ao fim do culto se bate o paó para invocar e finalizar o culto. Durante atos específicos o paó é constantemente batido com o objetivo de invocar a energia do Orixá.

·  Xirê
O xirê é uma das maiores representações da essência da religião. O movimento circular representa o infinito. O tempo circular. O local sem meio e sem fim. O local onde todos são iguais pois ninguém é o primeiro e ninguém é o último. A representação de uma visão de mundo em que tudo que vai volta.

·  Surrão
O surrão, ou a posição que se prostra com a cabeça ao chão, tem dois significados. Um é o contato do Ori com a terra. A ligação entre nossa energia e nossa fé ao local de onde tudo vem e pra onde tudo vai. Outro significado é o respeito e “submissão” aos Orixás quando se pede, se reza e louva-os. Em muitas organizações sociais antigas a posição do surrão era uma obrigação ao súdito quando o rei ou rainhas estavam presentes. Pois seu caráter sagrado não permitia que nenhum súdito pudesse ver o rosto de seu rei ou rainha.

·  Quelê, fios de contas e cores
Cada entidade tem suas representações em símbolos e cores. As combinações de cores, ou mesmo cores únicas, referem-se a determinada entidade como fator de identificação de acordo com as tradições. Os fios de contas servem como um acessório de proteção e representa a presença da entidade junto ao fiel. Representa também, no caso da iniciação, o cordão umbilical do nascimento do Yaô. O Quelê, também um acessório da iniciação, representa a aliança com o Orixá.
·  Ibá ou Assentamento
O Ibá ou assentamento é o local onde se estabelece um ponto específico de concentração da energia do Orixá. Um utensílio de barro, louça, ferro ou madeira é o local onde se deposita um otá, ou pedra, para ali realizar os cuidados como se fosse a morada da energia do Orixá. Em alguns casos se coloca uma ferramenta que simboliza a entidade como o ofá, ou flecha, de Odé ou mesmo ferramentas diversas, juntas, que representam Ogum. A parte mais importante do Ibá é o otá. Ele é vivo desde quando sai da natureza e se energiza ainda mais quando se faz os determinados rituais após a iniciação.
No Brasil, os adeptos do Candomblé, praticam a tradição em que cada pessoa tem seu Ibá. E dele cuida como se estivesse cuidando do próprio Orixá. Atribui-se a cada Ibá um Orixá diferente. Por exemplo, se uma pessoa é iniciada de Ogum ela tem um Ibá que representa seu Orixá. E se outra pessoa, também de Ogum, se iniciar ela terá um segundo Ibá que também representa Ogum. Em África isso não acontece. Em cada centro religioso, seja aldeia, cidade ou templo, há um Ibá único para cada Orixá. Se mais de uma pessoa é iniciada de Ogum elas louvarão, cuidarão e farão as devidas oferendas naquele único Ibá. Tal prática é, pela lógica, mais coerente pois, o Orixá é um só. Não existem muitos Oguns, muitas Yemanjás. Eles sim têm muitos filhos, mas são um só. Se um Babalorixá ou Yalorixá resolver, por consciência própria, estabelecer que em sua casa os filhos de santo não terão cada um o seu ibá, não será quebrada a tradição, nem mesmo a energia do Orixá na vida da pessoa, uma vez que na fonte original do culto essa é a maneira praticada.

·  Dança

A dança no xirê é composta por uma série de gestos que simbolizam cada Orixá. Cada gesto é uma reprodução da essência do Orixá.
Ogum que guerreia em um constante cortar de espadas. Odé reproduz uma agilidade de movimentos rápidos que vem e vão de um lado para o outro. A agilidade típica de um caçador. Ossãe que bate suas folhas de um lado para o outro. Omolu que dança voltado para a terra e esbanjando a elegância, com suas palhas, comuns à um rei, o Rei Dono da Terra. Oxumarê demonstra a constante transformação que representa em seus movimentos diversificados, hora como gente, hora como cobra. Nanã que caminha lentamente sobre seu barro expressando a calma, a paciência e ao mesmo tempo a seriedade que lhe cabe. Oyá que provoca a ventania que nos sopra e em seus momentos de guerra corta com sua espada como Ogum. Obá com as mãos na orelha perdida por causa de seu amor representa também uma guerreira e caçadora que estende suas mãos de um lado para o outro para mostrar sua coragem, determinação. Ewá eleva, com as mãos, o seu poderoso olhar da terra para o céu expressando a importância de sua regência, que é a visão que vê além dos olhos. Oxum esbanja uma sensualidade meiga e doce ao ritmo do jexá. Com as mãos protegendo o ventre e segurando as belíssimas roupas. Logun Edé que caça e esbanja juventude em movimentos que expressam as características de Odé e Oxum. Xangô, com seu machados, expressa a imponência de um verdadeiro rei ao ritmo do alujá, com movimentos firmes e constantes e, por vezes, erguendo e girando seus machados, ou oxês, demonstrando seu poder sobre o trovão. Yemanjá, a grande mãe que reproduz o movimento de vai e vem dos mares e oceanos. Expressa o amor materno e familiar em seus atributos. Oxaguiã o jovem orixá da paz e da proteção. Com seus atoris vai à guerra pela defesa. Oxalufã, o grande ancião e mais experiente orixá. Um dos criadores do mundo e dos homens segundo a mitologia dos orixás. Emana paz, compreensão e tolerância em seus símbolos e atributos.

·  Jogo de búzios
O jogo de búzios é o instrumento de comunicação entre o Orum e o Ayê. Ou seja, entre a dimensão espiritual e a dimensão material. É o instrumento utilizado no Brasil para se comunicar com os Orixás através do oráculo de Ifá. Neles se manifestam números que representam os Odus, ou os caminhos. Números repletos de significados e combinações que transmitem a mensagem trazida por Exu, o mensageiro.

O jogo de búzios adquiriu uma função inadequada com a comercialização da religião. Ao contrário do que se pensa os búzios não são instrumentos de adivinhação para pessoas leigas. Os búzios, na essência, tem o uso restrito à pessoas iniciadas no culto. A função adequada do jogo de búzios é “ouvir” os que os Orixás dizem, orientam. Na hora de uma decisão séria como a própria iniciação. 

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