Pular para o conteúdo principal

O que é Candomblé?

Por Myleo




Na condição de escravos, milhares de africanos de diferentes etnias vieram para o Brasil, Antilhas e Cuba. O que trouxeram? Sua fé. O culto aos Orixás. Não trouxeram bens materiais, livros sagrados, ou nada parecidos. Trouxeram a memória dos ancestrais como maior e mais forte herança e forma de resistência. Não tinham o objetivo de implantar algo novo. Nem de criar uma nova sociedade, uma nova religião. Houve a resistência pela preservação do que já existia. O Candomblé é fruto dessa resistência. Fruto da permanência do culto ancestral africano. Não foi planejado, inicialmente.
Para qualquer brasileiro que ouviu falar, conhece e/ou pratica alguma religião afro-brasileira é importante entender o que é o culto aos Orixás.
Orixá é uma variação da palavra Ori Axé. Ori = Mente, cabeça. Axé = força. Poder ser também traduzido como Senhor (xá) da cabeça (Ori). Ou seja, aquele que tem a mente forte, ou aquele que foi muito forte. E são esses os Orixás, os ancestrais.
O culto aos ancestrais, ou aos Orixás, eram as bases da organização social. Nos reinos e cidades africanas de onde vieram pessoas na condição de escravos, toda a organização partia de uma hierarquia religiosa. A autoridade era sagrada, ancestral e todos respeitavam, pois o sagrado não era algo separado de nenhuma das outras relações sociais. Tudo era sagrado. A comida, o acordar, o dormir, a água, os animais, a chuva, os rios, a montanha, o sexo, os filhos, a morte e a vida. Tudo que implicava bem estar social carregava um sentido e significado sagrado. Religioso.
Ao mesmo tempo, essa noção de sagrado era diferente da noção hebraico-cristã, em que o bem e mal, o bom e o ruim são manifestações de Deus ou o Diabo. Tudo que existe faz parte de um todo, criado por Olodumáre (Deus). O “bem” e o “mal” são manifestações de ações humanas e não da natureza ou de Deus. Na concepção do culto candomblecista, não existe bem ou mal enquanto ações. Existe aquilo que fortalece e é positivo, o asse. E existe aquilo que enfraquece e é negativo, o ewó e o ajé, ou contra-axé.
Ao longo de mais de 200 anos de constante chegada de africanos no Brasil, os Ketus, angolas, jejes, haussás, tapás, oyós, ijexás, baribas, aon efans, gruncis, entre outros, cultuavam ancestrais em diferentes formas com diferentes nomes. Assim na Bahia, Recife e Rio de Janeiro, onde houve as maiores aglomerações de negros libertos em um ambiente urbano, ex-quilombolas e irmandades negras organizaram-se e constituíram-se os Candomblés. O Candomblé é, portanto, uma organização religiosa brasileira nascida no seio das irmandades católicas. Fruto de um complexo sincretismo de tradições africanas, construído por descendentes de africanos e africanas que representavam diretamente os reinos que ainda existiam e existem na África até os dias de hoje.
A hierarquia religiosa e a organização “monárquica” é uma das heranças dessa padronização de culto. O sacerdote ocupa uma posição hierárquica que reproduz as mesmas estruturas dos mini-Estados africanos. O poder é absoluto, soberano e (espiritualmente) hereditário. O conhecimento é transmitido oralmente.
O "segredo" é o fator chave da resistência do culto. Por manter-se a tradição do "segredo" dos ritos e sacramentos, a religião dos Orixás permanece e perpetua-se com muita força e legitimidade.
O sincretismo da Umbanda não deve ser confundido com o culto candomblecista, apesar de acontecer com freqüência. Candomblé e Umbanda são práticas muito diferentes. O culto aos Orixás trazidos desde o princípio da escravidão é uma das bases da Umbanda, mas não necessariamente a principal. A ética, a essência do pensamento e a visão de mundo que permeiam os cultos umbandistas seguem concepções ligadas também ao cristianismo ocidental, além de concepções Yorubás ou Bantus africanas.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Hoje é o dia do registro do meu vô.  Zé Nogueira.  Puxador de enxada. Agricultor raiz.  Aquele que planta, rega, aduba, colhe, carrega no carrinho de mão. Nunca gostou de explorar nem criação, como cavalo, mula e burro e boi. Aquele que pega, carrega e vende no carrinho de mão. Com as próprias mãos.  Anos e anos batendo perna na cidade inteira, vendendo e vendendo, à vista e fiado, mas cobrando com classe e gentileza: leva esse e fica devendo 2, dona Maria.  Zé Nogueira.  A pouca memória que tenho como neto dos do meio, é tanta que não cabe aqui.  Mas só sei que é boa. Memória boa. De um neto que herdou coisa boa.  Bença vô!

a questão é ÉTICA. é sempre ética.

  lixo na rua, banheiros imundos, escola vandalizada, colar na prova, furar fila. golpistas de todos os tipos prosperam na sociedade de consumo. Cartão de crédito, boletos falsos, aplicativos e emails com fraudes. Golpe do celular, da casa própria, da funerária, do plano de saúde, do seguro do carro. Golpe atrás de golpe. polícia abusiva. grito, suborno, esculacho e humilhação, as vezes só porque o documento está atrasado, e o seu guarda não foi com sua cara. taxas, impostos e juros pra todo lado. absurdamente. abusivamente. e, por outro lado, propina solta pra fiscal deixar passar bastante contrabando. Celular, queijo, farinha de todos os tipos. É o mercado que gira de tudo, basta ter quem compra. tem mentira e manipulação ao vivo todo dia. tem omissão de informação, tem conchavo de empresa, com polícia, político e chefão de boca e milícia, e até com canal de televisão. Esse país é mesmo exemplo de ORGANIZAÇÃO. tem rádio, TV e jornal, que só informa o que quer. e no final dá no t...

Por que evangélicos neopentecostais odeiam tanto as religiões afro?

Concorrência. Tantos os terreiros e centros de umbanda e candomblé quantos as igrejas neopentecostais se concentram nas periferias e favelas. Elas disputam um mesmo público em um mesmo espaço geográfico. Nas favelas e periferias estão as piores e mais frequentes mazelas. Drogas, violência doméstica, violência do tráfico, violência da polícia, falta de hospitais e escolas decentes. Na favela está concentrado o sofrimento geral que a pobreza causa. E tanto pastores e pastoras quanto pais e mães de santo estão atendendo e consolando essa gente sofrida. Cada uma consola a seu modo. Porém é comum as igrejas neopentecostais declararem ódio e intolerância abertamente contra "macumbeiros" como uma estratégia de manipulação e proveito da ignorância alheia. Um evangélico que mora na favela sempre tem um vizinho macumbeiro. O discurso do medo, do diabo, do feitiço, um pensamento medieval que ainda custa a vida e a honra das pessoas. Um macumbeiro não tem um evangélico como inimigo, a ...