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Artigo - O determinismo Durkheiminiano na formação de professores e alunos.



Resumo: A sociedade capitalista determina o modelo educacional capitalista em todos os níveis. Do infantil ao superior somos condicionados a atender as necessidades ideológicas e comportamentais do sistema.

Segundo Durkheim “A educação tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança estados físicos e morais que são requeridos pela sociedade política no seu conjunto”( http://educarparacrescer.abril.com.br/), ou seja, a educação existe para moldar os cidadãos de acordo com as estruturas e necessidades da própria sociedade. Ele afirma também que educação é “(...)o conjunto de influências que, sobre a nossa inteligência o sobre a nossa vontade, exercem os outros homens, ou em seu conjunto, realiza a natureza.”(DURKHEIM, pag.33). Sua perspectiva afirma também que as condições externas, culturais, sociais, políticas e religiosas, determinam o indivíduo. O ser nasce vazio e egoísta. Cabe a educação preenchê-lo a fim de prepará-lo para viver em sociedade.
Tal perspectiva pressupõe, através de um silogismo, que os profissionais da educação com sua postura política, social e cultural são os principais responsáveis pela formação, pelo preenchimento dos objetos de sua profissão.  Portanto sua estrutura psicológica, sua condição social, sua formação e postura política foram determinadas por um contexto e estão agora sob a condição determinante em outro, ou seja, sua condição de professor que determina a formação política social dos alunos.
O séc. XX foi marcado pela potencialização do sistema capitalista em todas as suas amplitudes. Guerras, ditaduras, perseguições e ascensão dos meios de comunicação em massa construíram uma sociedade culturalmente consumista, individualista e aplacada pelas estruturas de classes. Estas estruturas, por sua vez, trataram de criar mecanismos de manutenção dessa condição: a estrutura de classe capitalista. Segundo a concepção do método determinista de Durkheim somada à concepção estruturalista de Marx, as estruturas econômicas ocidentais capitalistas do séc. XX determinaram e ainda determinam o caráter cultural e social de seu povo em prol da manutenção de tal sistema. Sob tal ponto de vista podemos perceber então que as atuais condições de baixo nível de qualidade da educação foram propositalmente determinadas pelo contexto histórico social de potencialização do capitalismo e enrijecimento das estruturas de classes. Dar prioridade aos processos econômicos e deixar a educação em segundo plano assim como fazer da educação um meio de “adestrar” mão-de-obra para a indústria e comércio fazem parte de uma estratégia administrativa.
No campo da moral e da ética, a sociedade ocidental tem na herança do pensamento cristão uma lógica maniqueísta em que os opostos são inevitáveis. A concepção cristã de escolhidos e excluídos, assistidos e excomungados, salvos e condenados, fornece a base ideológica para a manutenção e o conformismo moral da sociedade de classes, semelhante à dialética materialista de Marx, porém sem uma síntese lógica e sim uma permanência estática dos opostos. Como o próprio Durkheim diz, “Quando se estuda historicamente a maneira pela qual se formaram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem historicamente da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias, etc.. Separados de todas essas formas tornam-se incompreensíveis.” (DURKHEIM, pag.37).
Assim como os aspectos da educação em tempos passados tinham objetivos de acordo com seu tempo e sociedade (DURKHEIM, pag.35), uma sociedade de hábitos culturais consumistas representa outro momento histórico, construído e determinado pelo capitalismo. Os meios de comunicação em massa foram o principal recurso. Produções áudios-visuais como cinema, desenhos, quadrinhos, heróis foram implantados na formação sócio-educacional das crianças do séc. XX. Atualmente o multiculturalismo consumista predomina sobre a mentalidade dos jovens. Os meios de comunicação promovem os mais variados estilos e modismos que rapidamente são absorvidos pelos jovens. Consumo foi transformado em sinônimo de liberdade e felicidade. Sexo e violência são um dos principais produtos. Portanto os aspectos culturais e sociais dos alunos baseiam-se na perspectiva consumista que direciona todas as expectativas e anseios à aquisição de bens e aos padrões estéticos impostos pelos meios de comunicação. Dentro desses padrões, a idéia de felicidade foi uma das principais apropriações realizadas e utilizadas como função educacional dos meios de comunicação em que vale citar as palavras de James Mill que aparecem na obra de Durkheim e diz que “a educação teria por objetivo fazer do indíviduo um instrumento de felicidade, para si e para os semelhantes” (DURKHEIM, pag.34). Assim a subjetividade do conceito de felicidade à qual o próprio Durkheim se refere (DURKHEIM, pag.34), permitiu que fosse associada ao consumismo.
Após este levantamento sobre o cenário político, social, econômico e cultural vigente nos dias atuais, que são provenientes dos processos históricos do séc. XX, é preciso estabelecer a relação existente entre o contexto político, social, econômico e cultural do atual corpo docente que atua na educação brasileira com o alvo de sua ação, que são os jovens nascidos na transição para o novo século. Tal relação irá considerar os aspectos deterministas de ambos os lados para levantar uma reprodução também determinista. Um determinismo baseado nas condições econômicas, como superestrutura, e políticas, sociais e culturais como estruturas.  
A sociedade que determinou a formação superior do atual corpo docente, foi uma sociedade em que os indivíduos estabelecem uma acirrada concorrência por melhores cargos e salários de acordo com sua condição social. Eric J. Hobsbawm em sua obra “A Era das Revoluções”, aborda tal contexto se referindo as transformações sociais do séc. XIX em que a sociedade adquiria uma nova forma, com novas classes sociais e que a educação era um dos principais meios de ascensão social. Ele cita que, “(...) em certo sentido, a educação representava, tão eficazmente quanto os negócios, a competição individualista, a carreira aberta ao talento e o triunfo do mérito sobre o nascimento e os parentescos, através do instrumento do exame competitivo.” (HOBSBAWM, 1982, pág. 212). Assim os cursos de licenciatura, como mais baratos em instituições privadas e de mais fácil acesso em instituições públicas, se tornaram uma opção de estabilidade entre os projetos de carreira, pois a condição econômica que a área da educação oferece é menos favorecida do que a maioria, porém oferece garantias de vagas e cargos. Ou seja, a formação superior para educação não tem como premissa a ética da formação cidadã, construção pedagógica e política entre a maioria dos profissionais. É, pois, uma carreira fácil de ser alcançada e exercida pois não impõe grandes exigências práticas e sim visa números. Não prioriza a qualidade e sim sua manutenção. A estabilidade compensa a má remuneração e as más condições e ao mesmo tempo incentiva a falta de ética, de compromisso e de qualificação profissional.
A formação dos professores no ensino superior é superficial, acelerada, cara – considerando as classes sociais de quem a procura – e acima de tudo, tratada e reproduzida como mais um produto do sistema de mercado. A formação dos professores se limita a abordagens superficiais e teóricas, com pequenos e curtos momentos de práticas. Isso determina o “ser” profissional da educação.
            O contexto sócio-político do corpo docente das escolas estaduais de São Paulo apresenta-se em decadência moral, econômica e jurídica. Um sistema logístico de admissão através de concursos e contratos que cada vez mais desvinculam o professor de seu objeto, um sistema de progressão continuada desestimulando o ensino aprendizagem em função de números positivos que visam verbas e bônus, estratégias politiqueiras que direcionam a responsabilidade do baixo nível de qualidade no ensino estadual ao professores, péssimas condições de trabalho, falta de materiais e espaços adequados somam-se na formação do quadro decadente em que os profissionais da educação se encontram.
Indubitavelmente o acesso aos cursos superiores aumentaram, porém ainda mantém uma estatística negativa em que

Na década de 1990 através de um estudo – a proporção de estudantes oriundos de famílias com renda acima de 10 salários mínimos ultrapassava os 60% tanto no setor público quanto no privado -, observou-se que o acesso ao ensino superior é maior entre a classe social mais elevada o que vai ao desencontro da "crença" de que os menos favorecidos é que freqüentam o ensino privado. Tal fato se dá – ao contrário do que se imagina – não por falta de vagas. O que ocorre é uma deficiência no ensino fundamental e ainda problemas sociais.
Fonte: http://www.webartigos.com/articles/4104/1/O-Ensino-Superior-No-Brasil/pagina1.html#ixzz0zpMBvVlv
Ou seja, a citação da autora, Degmar Augusta, advogada salienta uma outra realidade já abordada em que as consdições do ensino fundamental público diminui as possibilidades do acesso ao ensino superior que consequentemente reflete da demanda pelas licenciaturas em universidades privadas pela população de baixa renda. Ora, se o ensino público não tem qualidade suficiente para dar acesso à universidade pública, resta ao estudante de baixa renda a universidade privada. Como os cursos de licenciatura são os mais baratos tornam-se a opção inevitável daqueles que apenas buscam uma graduação. Assim mais uma vez observamos o inevitável determinismo durkheiminiano atuar de forma implacável nas bases de nossa educação.

            O desenrolar dos acontecimentos do fim do séc. XX determinou uma condição prática para o corpo docente da educação estadual e brasileira que soma: a falta de preparo dos professores a um sistema injusto e ineficiente de seleção profissional; as péssimas condições de trabalho ao grande número de alunos por sala; os baixos salários as estafantes cargas de trabalho; politicagens eleitoreiras sobre projetos de melhorias na educação; entres muitas outras coisas. Por outro lado, a situação dos alunos soma: a falta de estrutura familiar; livre acesso sobre conteúdo de sexo e violência pelos meios de comunicação; ausência de uma educação familiar de autoridade;  precária condição de convivência entre professor/aluno; ausência de limites e respeito dos alunos; falta de preparo psicológico do professor; os anseios ao consumismo exacerbado; condições de baixa renda da maioria; enfim, os fatores sócio-culturais e econômicos externos à educação estão contribuindo para a crise em que ela se encontra. Uma negativa determinação social, econômica e cultural conspira para a decadência da educação, que por sua vez contribui para a decadência da cidadania do povo brasileiro. Um processo histórico é responsável por isso. E tal condição tende a continuar se determinando, pois boa parte dos jovens de hoje serão os professores de amanhã.
 Entramos no século XXI em que a educação passa por uma condição determinada pela parcela da sociedade que necessita da manutenção da ignorância política e da cultura de consumo assim como necessita da preparação de mão-de-obra qualificada para o “progresso” tecnológico em que vivemos. Perante esse cenário observamos a relativa evolução em nossa educação. Evolução para a indústria, para o capitalismo, para a manutenção da rigidez social, da luta de classes, das desigualdades extremas, dos impactos ambientais e subjugação da natureza em prol da produção e consumo humano. Professores e alunos são determinados e determinam tal condição. Falta ética no ensino superior porque falta ética na sociedade. Falta humanismo no ensino superior porque falta o mesmo na sociedade. Nossa sociedade capitalista e consumista, em que a liberdade se limita ao consumo e a igualdade não atinge nem mesmo os direitos. O humanismo está cada vez mais ausente nos cursos de ciências humanas.



Comentários

  1. Formar para a vida ou para o mercado de trabalho?
    A insurreição seria de grande valia para nossa sociedade, em busca de uma vida digna e consciente dos nossos problemas atuais.

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