Hoje acordei. Olhei. Ouvi. Parei.
Pensei. Quem sou? Onde estou? Do que sei? Não sabia meu nome. Minha idade. Minha
cidade. Não sabia do que sabia. Só sabia que não sabia. Como pode ser? Acordar e
não saber? Olhar e não ver? Escutar e não ouvir? Sentir e não ser? Quanto desespero.
Não poder reconhecer tudo aquilo que meus próprios sentidos conseguem perceber.
Onde está meu paladar? Que gosto tem
esse jantar? Pra onde foi minha audição? Do que fala essa canção? Onde está
minha visão? Quais as cores que me cercam? Só vejo um clarão. Onde está meu
olfato? Não sinto o cheiro da flor, da chuva, nem do mato. Não tenho mais o
tato. O calor... a pele... não sinto o contato. Que pesadelo não sentir. Que maldição
não ter sensação. De que vale minha razão se não tenho mais emoção? Percebo que
tenho o choro. Sem lágrimas, com dor. Agonia e decepção. Tenho sono. Intenso,
mortal. Minha cabeça pesa. Lá fora o ruído da chuva mais parece uma reza. Fúnebre,
macabra, gelada, calada. Parece a morte que se aproxima. Um suspiro profundo,
como se fosse o último, toma meu peito, e de repente... acordei. Era apenas um
sonho. Sono pesado. O corpo, de suor, melado. A mente confusa. Olhei. Respirei.
Escutei. Cheirei. Toquei. Agradeci à vida. À Deus. Ao caos. Ao acaso. Ao
cosmos. À Exú. À Jesus. À Zeus. À São Jorge. À Ogum. À Tupã. Agradeci por não
morrer. Por continuar a sentir. Apenas sentir.
Hoje é o dia do registro do meu vô. Zé Nogueira. Puxador de enxada. Agricultor raiz. Aquele que planta, rega, aduba, colhe, carrega no carrinho de mão. Nunca gostou de explorar nem criação, como cavalo, mula e burro e boi. Aquele que pega, carrega e vende no carrinho de mão. Com as próprias mãos. Anos e anos batendo perna na cidade inteira, vendendo e vendendo, à vista e fiado, mas cobrando com classe e gentileza: leva esse e fica devendo 2, dona Maria. Zé Nogueira. A pouca memória que tenho como neto dos do meio, é tanta que não cabe aqui. Mas só sei que é boa. Memória boa. De um neto que herdou coisa boa. Bença vô!
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