A organização dos
grupos Yorubás no Brasil coincide com o período em que a urbanização se acelera
em cidades como Salvador-BA, Rio de Janeiro-RJ, Recife-PE e São Luís-MA. Foi
também o período em que os movimentos abolicionistas ficavam cada vez mais
fortes. Nessa época, início do séc. XIX, já era possível adquirir alforrias
comprando ou ganhando dos senhores e das senhoras de escravos.
Nesse contexto intensificaram-se
as participações de escravos urbanos e ex-escravos alforriados nas confrarias
religiosas. Eram irmandades católicas que funcionavam sob a autorização da
Igreja Católica e que permitiam a reunião de negros e negras para fins
religiosos católicos, porém a incorporação de elementos das crenças populares
foram naturalmente ocorrendo. Foram dessas irmandades que surgiram muitas
tradições culturais e religiosas tipicamente brasileiras como o Congado, o Maracatu
e o Candomblé.
Essas irmandades se
organizavam de acordo com as etnias. Como aponta Verger “Os pretos de Angola
formavam a Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do
Carmo. Os daomeanos (jejes) reuniam-se sob a devoção de Nosso Senhor Bom Jesus
das Necessidades e Redenção dos Homens Pretos. Os nagôs, cuja maioria pertencia
à nação Ketu, fromavam duas irmandades: uma de mulheres, a de Nossa Senhora da
Boa Morte; outra reservada aos homens, a de Nosso Senhor dos Martírios. O
Candomblé nasce no seio das irmandades que se reuniam em Salvador, próximas à
Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha. É necessário esclarecer que os Jejes e
os Nagôs são dois grupos distintos, mas com tradições semelhantes. Os primeiros
trazem tradições dos Fons, Ewés, Minas e outros, da região do antigo Dahomé. Os
Nagôs, ou Yorubás, trazem tradições de Ketu, Oyó, Osogbo e outras, atual
Nigéria. Como vieram depois dos bantos, em um contexto mais urbano e menos
opressor, foi possível que se organizassem e se unissem mais rapidamente, para
praticar as tradições. Por serem os primeiros a chegarem como escravos, ainda
no séc. XVI (a partir de 1530), os bantos enfrentaram uma opressão mais intensa,
foram espalhados pelos sertões e fazendas brasileiras causando um sincretismo
mais profundo, tanto com os indígenas como com as tradições católicas cristãs.
Os escravos eram classificados segundo as duas macro regiões de onde vieram,
portanto eram os bantos e os sudaneses. Estes últimos envolvem Jejes e Yorubás,
entre outros.
Entre o séc. XVI e
XVIII, o Império de Oyó que integrava vários reinos yorubás, foi dominante no
centro-oeste africano, inclusive como fornecedor de escravos aos portugueses.
Um de seus principais inimigos eram os Haussás, povos islâmicos do norte
africano. Em determinado momento, no inicio do séc. XVIII, a situação se inverteu
e o Império de Oyó passou a ser fortemente atacado por esses mesmos povos. Com
isso os milhares de Yorubás de Oyó, Ketu, Osogbo, Nirê, Ifé e outras, foram
vendidos aos portugueses, se tornando conhecidos aqui no Brasil como Nagôs.
Já no início do séc.
XIX, Salvador tinha metade da população negra Yorubá. E foram esses Yorubás, ou
Nagôs, reunidos e organizados em torno da Irmandade de Nossa Senhora da Boa
Morte, que fundaram o primeiro terreiro de Candomblé, conhecido hoje como Casa
Branca do Engenho Velho. Foi fundado como Ilê Asé Ya Nassô Oká.
Há controvérsias
sobre os inúmeros fatos que envolvem a criação desse primeiro terreiro. Paulo
César Coutinho, que escreveu a minissérie Mãe de Santo, exibida na rede Manchete
em 1990, apresenta uma das versões em que, assim que três princesas chegaram ao
Brasil como escravas, os membros da irmandade que trabalhavam nas ruas de
Salvador, juntaram dinheiro para comprar a liberdade dessas princesas. Viam na
liberdade delas a possibilidade de dar continuidade à tradição ancestral
africana, uma vez que a linhagem real das princesas trazia a linhagem dos
próprios orixás. Um Babalaô, de nome Bangbosé, consultou Ifá e transmitiu a
ordem de Xangô e Oxossi para que se criasse a Casa de Candomblé nomeando umas
das princesas como Yalorixá. Essas princesas eram Yá Akalá, Yalodê e Oba Tossi.
Três princesas de Oyó. Os Orixás ordenaram que a nação fosse de Oxossi, e que a
casa seria de Xangô, com Yálodê sendo a Yolorixá regente. Ela era uma das
princesas libertas e, em seu reino detinha o mais alto cargo do culto a Xangô
em Oyó. Isso explica a força e ênfase do culto a Xangô, o grande Obá, dentro do
Candomblé Ketu. Ketu e Oyó eram os mais importantes reinos do Império Yorubá.
Renato da Silveira,
historiador e pesquisador das origens da religião, descreve que “primeiramente por volta de 1790, teria
sido fundado por membros da família Arô – uma das cinco famílias reais do reino
de Ketu – o culto a Odé (um tipo de Oxossi). Datam dessa época os ataques a
Ketu e a chegada na Bahia das princesas gêmeas da família Arô, capturadas e
vendidas por daomeanos com apenas nove anos de idade. O culto funcionava numa
residência na Rua da Lama, atrás da Igreja da Barroquinha, onde hoje fica a Rua
Visconde de Itaparica, tendo à frente a africana Iyá Adetá. Depois dela veio a
africana Iyá Akalá, introduzindo o culto a Airá – um tipo de Xangô que se veste
todo de branco (alá significa pano branco, lembra Silveira). Possivelmente
nessa época se deu a saída dos Arô, que foram para o Luis Anselmo e fundaram o
candomblé do Alaketu, conduzido nas últimas décadas pela yalorixá Olga do
Alaketu. Os resquícios desses primeiros tempos ainda estão vivos: no Terreiro
da Casa Branca, a festa de Xangô é chamada pelos filhos-de-santo de “Festa de
Airá” e, também nesse terreiro e herdeiros de sua tradição, a saudação a Oxóssi
ainda relembra os pioneiros: “Okê Odé, okê Arô”, conta o pesquisador.
A terceira grande sacerdotisa do
candomblé da Barroquinha foi uma Iyá Nassô que, acreditam as pessoas dos
terreiros, antropólogos e historiadores, não veio para a Bahia como escrava,
mas sim intencionalmente, para reestruturar o culto a Xangô e tentar
reorganizar o seu povo nesse momento de desagregação total dos yorubás. Ela
estava acompanhada de outras pessoas do alto escalão de Oyó, como alguns Essas
– um título no conselho de ministro do reino de Ketu – Babá Axipá e Rodolpho
Martins de Andrade, também conhecido como Bamboxê Obitikô, entre outros. Há
quem diga que a mãe de Iyá Nassô já tinha sido escrava na Bahia, conseguiu a
alforria e retornou para a África e que, como muitas outras mães-de-santo
baianas, Iyá Nassô era comerciante e morava no centro histórico.”
Pierre Verger, em seu livro Orixás
aponta outra versão. Segundo ele Ya Nassô e Obatossí eram provavelmente primas.
E depois de libertas aqui no Brasil retornaram à África. Quando voltaram ao
Brasil, já com a missão de organizar o culto aos Orixás aqui, Marcelina Obatossi
trouxe consigo uma neta, Claudiana, que depois se torna Mãe Senhora. Assim
temos a primeira linhagem de Yalorixás de Nação Ketu. Yanassô como primeira e
Obatossi que herda de Yanasso o título. Com a morte de Obatossi, Yalodê assume
o posto de Yalorixá do Ilê Asé Yanasso Oká em Salvador. Deste episódio, e das
insatisfações que causou, surgiram outros dois terreiros. O primeiro Ya Omi Asé
Yamasê, no Alto do Gantois, com Maria da Conceição Nazaré de Xangô. O segundo
foi o Centro Cruz Santa do Axé do Opo Afonjá com Aninha Obabii a frente, também
de Xangô, em 1910. Yá Adetá Okanlandê é citada por Verger como umas das mais
importantes na fundação do Ilê Axé de Gantois.
Em 1938, aponta Verger, Tia Babá
Olufandeí sucedeu Aninha Obabii e em 1941, Mãe Senhora se torna Yalorixá regente
do terreiro de Gantois. Em 1967 Maria Estella de Azevedo, Odekayodê, assume o
posto herdado de Mãe Senhora no Axé Opô Afonjá. E daí por diante outros
terreiros foram surgindo dando continuidade ao Candomblé de Nação Ketu. Ainda segundo
a obra de Verger podemos citar o Axé Opô Afonjá, de Balbino Daniel de Paula,
que também foi à África firmar suas raízes. O Ilê Orisanlá Funfun, em
Guarulhos, São Paulo, com Idérito do Nascimento Corral, filho-de-santo de
Meninha do Gantois. No Rio de Janeiro foi fundado outro Axé Opô Afonjá por Mãe
Aninha; em Migual Couto, Nitinha de Oxum funda o terreiro de Nossa Senhora das
Candeias. Daí por diante muitos nomes adquirem grande prestígio como Olga
Francisca Régis, Oyafunmi de Matutu; Procópio Xavier de Souza, Ogumjobi, também
de Matutu; entre outros.
Pierre Verger se tornou filho-de-santo
de Mãe Senhora, e por causa do envolvimento de Verger com o mundo dos Orixás
ele decide buscar as raízes africanas, como muitos fizeram. Assim ele
estabelece o contato entre Mãe Senhora como Alafin Oyó, o máximo da realeza
yorubá na Nigéria. Por causa de uma carta de Mãe Senhora, contando sua própria
história, ele concede à ela o título de Ya Nassô, que é o mais alto cargo
dentro do culto Yorubá africano. Esse reconhecimento dava a Mãe Senhora o
título de matriarca do culto aos Orixás no Brasil. Isso se deu entre 1950 e
1962.
Há muitas
controvérsias sobre os reais acontecimentos que envolvem a chegada das
princesas até a fundação dos primeiros terreiros por falta de documentos
históricos. Mas foi Yá Nassô quem conseguiu fixar a primeira casa de Candomblé
com um culto organizado em um local permanente.
A organização do culto, dos ritos e
tradições também se deu sob um processo complexo. Nessa época o Império Yorubá,
que era dominante na região inclusive vendendo escravos para o Brasil, entrou
em crise, como já citado. As invasões sofridas pelos povos do norte obrigou que
o próprio território yorubá se transferisse mais para o sul. Nisso foi
necessário reorganizar toda a sociedade, inclusive o culto aos Orixás, por
causa da desestruturação causada pelas invasões. Nesse processo de reorganização,
a realeza, sabendo que já se formava uma organização yorubá no Brasil, auxiliar
o estabelecimento e organização do culto aos Orixás aqui. Yá Nassô surge então
como a personagem principal nessa reorganização. Foi nesse contexto que se
constitui o panteão principal cultuado no Xirê, assim como toda estrutura
hierárquica civil/religiosa dentro dos terreiros.
A constituição dessa sociedade civil
yorubá aqui no Brasil, com cargos e hierarquia de acordo com o que já existia
na África reproduz a mesma hierarquia dos países e cidades yorubás. Hoje quando
se entra em um terreiro e se percebe a prática da hierarquia, como se sentar
abaixo do Babalorixá ou Yalorixá, não comer antes destes, não olhar nos olhos
quando de preceito, entre outros, significa a permanência dessa hierarquia
construída aqui.
As casas de Jeje tiveram sua origem com
Ludovina Pessoa, que seguiu um processo parecido com o Candomblé de Ketu, porém
sem uma participação ou influência direta da realeza africana. Mas, da mesma
forma criou-se um panteão de Voduns que são
basicamente os da Mitologia Ewe e Fon, assim como a hierarquia com
cargos.
Os Candomblés de Angola tem um processo diferenciado
por já existirem sob outras formas de culto, na maioria sincretizados como os
Calundus, Catimbós, Jurema Sagrada, Cachimbada e outros. É difícil estabelecer
um inicio na formação do culto banto enquanto candomblé como foi com Ketu e
Jeje. Isso por que os bantos são mais antigos e mais sincretizados dos que os
outros. O fato de a maioria dos quilombos serem bantos não permite uma
constatação de grau e número, nem mesmo uma datação exata do início dos cultos.
No sudeste do
Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, há o Omolokô. É uma forma de culto aos
Orixás que preserva muito das tradições tanto bantus quanto yorubás, que se
assemelham aos candomblés. Segundo os relatos da mãe-de-santo Lea Maria Fonseca da Costa. e do
pai-de-santo Tancredo da Silva Pinto. A origem
do nome Omolokô pode também estar ligado ao povo Loko, que era governado pelo
rei Farma, no Sertão de Serra Leoa.
Ele foi o rei mais poderoso entre todos os Manes. Sua cidade chamava-se
“Lokoja” e localizava-se a margem do Rio Mitombo,
afluente do Rio Benue, que por
sua vez é afluente do grande rio Níger.
a versão da Srª Lea Maria Fonseca
da Costa, Mãe-de-santo de Omolokô quer dizer: “Omo” que significa
“Filho” “Loko” referindo-se a árvore Iroko e tem o sentido de algo como “Filhos
da Gameleira Branca”.
No segundo ramo de análise, que é a
versão do Srº Tancredo da Silva Pinto, Tatá Ti Inkice (pai de santo de Angola),
em seu livro Culto Omolokô - Os Filhos de Terreiro - "Omolokô significa:
“Omo” -Filho e “Oko” - Fazenda, zona rural onde esse culto, por causa da repressão
policial que havia naquela época, os rituais eram realizados na mata ou em
lugar de difícil acesso dentro das fazendas dos donos de escravos.
Ao mesmo tempo que
preserva atos, cantigas e ritos essencialmente africanos, o Omolokô também pratica
um certo sincretismo que pode confundi-la com a Umbanda. Porém as tradições
africanas prevalecem sobre o sincretismo cristão, ao contrário da Umbanda. Mas
como ocorre com qualquer manifestação religiosa africana, a presença de
elementos de outras tradições faz parte do culto aos orixás no Omolokô. Por
causa dessa características criou o termo Umbandomblé para classificar tal
culto, que é equivocado pois o Omolokô tem sua organização específica
semelhante ao candomblé de Nação. Porém integra cultos a caboclos,
pretos-velhos e outra entidade comuns na Umbanda.
As semelhanças entre
as nações são muitas, no que diz respeito a organização, essência, moral e
ética. O que muda são os nomes, as rezas, cantigas, ritos, preceitos. Por
exemplo, Nkisis são as entidades bantos, os Orixás são yorubás ou os Voduns são
jejes.
A partir do
surgimento das Casas de Candomblé passaram a surgir os Axés. Um Axé pode ser
considerado uma filial da nação. Os filhos e filhas de santo das primeiras
casas que foram se tornando sacerdotes passaram a fundar outras casas. E era
comum que essas pessoas integrassem e/ou excluíssem, alguns rituais, rezas,
atos e preceitos que diferenciava-se daquilo que era estabelecido em outra casa
irmã. Por isso criou-se os Axés. Duas casas podem ser de tradição Ketu, porém
praticarem o culto e os rituais com algumas diferenças. Atualmente essas
diferenciações acabaram criando divergências e conflitos entre sacerdotes pelo
fato de um determinado Axé julgar o que o outro faz inadequado. Mas são
questões complexas que envolvem muitos fatores que não nos cabe nesse momento.
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