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Culto aos Orixás: A resistência como fator de existência

Por Alan Geraldo Myleo

O culto aos Orixás é uma das manifestações religiosas mais antigas do mundo. De acordo com as principais fontes antropológicas, o continente africano é o berço da humanidade, ou seja, onde foram encontrados os mais antigos vestígios da passagem do homo sapiens sapiens e de suas respectivas organizações sociais. Ao longo do tempo, os grupos humanos que foram se espalhando pelos continentes criaram manifestações culturais e religiosas das mais diversas maneiras e com características únicas.


A migração do homem para o mundo reproduz variações e continuidades que partem de troncos principais. Assim sendo se compararmos a mitologia de várias regiões e povos é possível identificar semelhanças. A principal delas é a regência e harmonia dos personagens sobre as forças da natureza. Em todas as mitologias antigas, de povos que se organizaram ainda no Neolítico assim como nas civilizações antigas da Ásia e do Mediterrâneo observa-se a relação direta entre personagens sagrados e forças da natureza.
Se construirmos um raciocínio lógico, chegaremos à conclusão de que assim como o Homo Sapiens Sapiens tem origem no continente africano, o fenômeno religioso também. Logo todas as religiões antigas têm um ponto de partida, troncos principais.
A mitologia dos povos da Ásia, dos gregos e romanos, dos nórdicos (norte da Europa), dos povos da Austrália e da América, como já dito, tem algo em comum: a ligação com as forças da natureza. Xangô, Zeus, Thor, Tupã regem elementos semelhantes, como o trovão, por exemplo. E assim muitos outros. Em muitos casos, são também antropomórficos. Nesse caso cabe destacar que não é o caso da mitologia yorubana. Nesta os Orixás não são seres mágicos por si só. São energias humanas divinizadas.
Outra característica que diferencia o culto aos Orixás de todos os outros, é que mesmo sendo um dos mais antigos, não adquiriu distorções mágicas como humanos com cabeça de animal ou com vários braços. Os Orixás representam pessoas comuns, que viveram como outras. Porém suas passagens foram tão significativas, marcantes e fortes que se divinizaram. Suas energias são humanas com regências sobre as forças da natureza de acordo com as características e personalidade de cada um.
Talvez um dos fatores que fazem com que o culto aos Orixás persista com tanta força é a fidelidade à tradição. Enquanto impérios surgiram e caíram em nome de seus Deuses e em nome da conversão de outros povos, o culto aos Orixás permaneceu fiel aos ensinamentos ancestrais. Permaneceu limitado a organizar as pequenas e bem distribuídas comunidades (Egbés), mini-Estados e cidades (Ketu, Oyó, Irê, etc.) reproduzindo um modo de viver de acordo com a ética ensinada e vivida pelos Orixás e sem a injusta ambição de converter outros povos. Mesmo que tais reinos tinham tradição guerreira, a conversão não era uma de suas finalidades.
Hoje um dos cultos mais antigos da humanidade, que foi e é tão perseguido, criminalizado e discriminado persiste. O culto aos Orixás resistiu a facas que cortaram línguas para que não se cantasse Adurás e Orikis. Resistiu ao ferro que furou olhos para não se ver a luz do dia. Resistiu aos facões que cortavam braços e pernas para não se dançar o sagrado Xirê. Resistiu à chibata que cortava a carne, mas não cortava a fé.

Enquanto muitos outros cultos já estão extintos há séculos, o culto aos Orixás sobreviveu e sobrevive ao surto do Cristianismo e do Islamismo. Surto sustentado pelas mais altas autoridades religiosas. Carlos Serrano e Maurício Waldman, em Memória D’África, apontam que uma autorização emitida pela Igreja Católica, a Bula Dum diversas, de 1452, chancelada pelo papa NicolauV, autorizava Afonso V de Portugal a escravizar os “infiéis” da África Ocidental. Aprimorando essa invectiva, outra Bula, a Romanus Pontifex de 1455, encaminhada pelo papa Nicolau V, concedia o direito de conquistar e escravizar todas as populações ao sul do Cabo Bojador. Durante décadas, a existência de alma nos negros ou a possibilidade de ingressarem no paraíso de Deus era objeto de acirradas discussões no seio da Igreja. Buscando-se Legitimar a sua dominação, descaradamente despiam os africanos de qualquer traço de dignidade. (SERRANO, 2008, P. 97). Os islâmicos tinham como método de conversão oferecer duas opções ao dominado: ser escravizado ou se converter.
Toda essa resistências ao crime da escravidão, ao tráfico de escravos entre os próprios africanos manteve junto a luta contra a opressão de outras religiões e grupos. A escravidão acabou. Mas, além do pré-conceito e ódio religioso que ainda atinge o culto aos orixás, há também as práticas caluniosas de pessoas de má fé que praticam e levam o nome dos Orixás sem responsabilidade e sem sabedoria, contribuem ainda mais para denegrir e ameaçar um culto tão antigo e tão vivo.




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