Pular para o conteúdo principal

Iorubás, Jejes e Bantos entre as Primeiras Civilizações

Por Alan Geraldo Myleo

Uma das principais omissões historiográficas do ensino de História no Brasil e no mundo é a associação de “primeiras civilizações” restrita aos povos do crescente fértil (Egito e Mesopotâmia). Utilizando critérios como domínio da agricultura, domesticação de animais, religião organizada, governos teocráticos, comércio e cidades-estados, os Egípcios, Persas, Fenícios, Hebreus e outros são considerados primeiras civilizações.
Crescente Fértil: Oriente Médio
A historiografia, ainda eurocêntrica, não aponta, nem mesmo em hipóteses, que os povos da África Subsaariana tiveram o mesmo tipo de organização, em torno de importantes rios da Bacia do Níger como Ògúm, Obá, Oxum, Erinlé, ou mesmo os inúmeros rios que compõem a bacia do Congo. e outros.


                                                            Bacia do Níger



Bacia do Congo

Em torno desses rios, assim como no Crescente Fértil (Nilo, Tigre e Eufrates), surgiram Cidades-estados, práticas escravistas, comércio, domínio de metais, governos teocráticos e outras características que marcaram o desenvolvimento de povos como os Iorubas, Jejes e os Bantos. Povos esses que dominavam uma extensa região no centro-oeste africano.

África Subsaariana


Na área do conhecimento esses povos também se destacaram. O domínio e desenvolvimento da matemática, tão associados aos povos do mediterrâneo como egípcios e gregos, já se manifestava com alto grau de profundidade na numerologia que permeia toda a religiosidade Ioruba, por exemplo. A criação de uma complexa mitologia que agrega valores éticos, filosóficos, morais, políticos e sociais das tradições antigas, também associadas aos gregos, são comuns, e talvez anteriores, nos povos africanos. O conhecimento dos quatro elementos básicos a vida na terra (terra, água, fogo e ar) também já era utilizado pelos Iorubas em sua extensa rede de conhecimento. A botânica e suas aplicações medicinais e místicas é outro fator que demonstra o alto grau de desenvolvimento desses povos, que são reconhecidos apenas como ex-escravos, inferiores e selvagens.
Os estudos de intelectuais como Costa e Silva, Pierre Verger, Roger Bastide, Nina Rodrigues e outros, apontam características culturais, hipóteses cronológicas que contextualizam e apontam inúmeros dados e características que colocam os povos Bantos, Jejes, Iorubas e outros nesse contexto de primeiras civilizações, como são considerados os Egípcios, Persas, Hebreus, Gregos, e outros. Uma prova de seu elevado nível intelectual é o sistema numérico desenvolvido pela tradição do Oráculo de Ifá. Uma complexa combinação de números com suas devidas representações que eram estudadas e desenvolvidas pelos sacerdotes e Babalaôs com fim de se comunicar com os ancestrais. O sistema matemático do oráculo de Ifá á altamente complexo e não se utiliza da escrita para existir. Nele cada número, de 1 à 16, tem um significado. E cada uns desses 16 se desmembra em outros 16 e assim por diante. E cada um deles tem significados que se associam de acordo com que a pessoa que os decifra quer buscar.
Considerando a escrita como marco divisório entre Pré-História e História, esses povos não se encaixariam. Mas se observarmos por outro ponto de vista podemos perceber o quão forte eram tais tradições. A cultura Hebraica disseminada e preservada pelo Antigo Testamento sobreviveu e dominou parte do mundo através das grandes Instituições religiosas que ainda mantém seu poder. Tal cultura religiosa hebraica é garantida pelo conhecimento escrito armazenado e preservado. Além do que as grandes instituições sempre estiveram associadas aos processos políticos e econômicos dos países, o que justifica e explica a força de sua permanência.
Por outro lado a cultura religiosa Ioruba, por exemplo, sofreu e sofre uma intensa perseguição e opressão tanto na África quanto no Brasil. As expansões Islâmicas, iniciadas no século VII d.C. na África, suprimiu grande parte dos cultos locais, restando poucos povos que mantém a tradição.
No Brasil, os mais de 400 anos de escravidão e o posterior processo de exclusão, preconceito e repressão das tradições africanas conspiraram para extinguir a religião dos Orixás. Enquanto as religiões cristãs e islâmicas se associaram aos poderes políticos e econômicos dos países para se perpetuarem, o culto aos Orixás foi perseguidos por eles. Tantos as instituições religiosas quanto as políticas tentaram destruir o culto aos orixás. Mas não conseguiram. Mesmo não sendo garantida pela cultura letrada, nem livros ou mesmo instituições com uma fração do poder das instituições cristãs, o culto aos Orixás e toda a cultura religiosa em torno dele se mantém. A cultura religiosa e os próprios ritos do culto aos Orixás permanecem vivos, no Brasil e na África, em diferentes graus e manifestações, sendo as tradições Iorubas as mais preservadas, ou melhor, menos sincretizadas com tradições cristãs.
Desse modo temos que reconhecer a importância dos Povos da África Subsaariana para a humanidade. Mais ainda, o ensino de História do Brasil deveria dar esse destaque, pois muito dos Bantos, Jejes e Iorubas ainda sobrevive em nossa cultura popular e nos Candomblés de Nação, assim como em outras manifestações religiosas afro-brasileiras.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Comparação entre Nazismo e Comunismo

É comum argumentos rasos que comparam nazismo e comunismo com números de mortos. Quando pessoas com simpatia ao nazismo, ou antipatia ao comunismo, ou as duas coisas, não sabem falar sobre comunismo, elas costumam afirmar que na China de Mao Tsé Tung e na União Soviética morreram muito mais pessoas que no nazismo.  Esse é um raciocínio leviano, ou seja, raso. Pq?   Vamos comparar a quantidade de africanos e indígenas que morreram (e morrem) e foram escravizados ( e são) por 5 séculos. Daí a gente compara o catolicismo e o protestantismo com base em quantas pessoas ambos mataram? Daí a gente tem o valor de uma e de outra religião. Afinal o número de mortos que aquela fé/ideologia causou define o valor de ambas, uma melhor outra pior.  É basicamente a mesma coisa. Vamos julgar os católicos pelo que fizeram com indígenas como julgamos nazistas pelo que fizeram com judeus? Faz sentido o raciocínio?  Comparar nazismo e comunismo é comparar ideologias e motivações para ações de pessoas.  Co

Capital e Social + ismo

CAPITAL é dinheiro que gera dinheiro. ISMO é tem a ver com doutrinas ou sistemas. Logo Capitalismo é um sistema pensado e elaborado a partir do CAPITAL, pelo CAPITAL e para o CAPITAL. Isso significa, em tese, que um país capitalista que dá certo é um país que aumenta a riqueza de um ano pro outro. Que aumenta o PIB, o comércio, os lucros. E uma parcela de miseráveis é consequência inevitável. E outra parcela de pobres é necessária. Haver pobreza e fome no capitalismo não é dar errado. É parte dele, inerente, necessário. Se a riqueza tá crescendo tá dando certo, não importa se está se acumulando. Agora raciocina o oposto. SOCIAL + ISMO. Sistema pensado e elaborado para o bem estar social. Em tese, um país socialista que dá certo é o país em que não há fome, miséria, sofrimento social, mesmo que esse país não aumente sua riqueza de um ano pro outro. Num país socialista, mesmo que não haja circulação de marcas, importados, tecnologias, itens de consumo, ele pode dar certo. Não haver pobre

Xangô, o Rei dos reis

Kaô Kabiecíle Xangô, senhor da Justiça os olhos que tudo vê  a força do trovão  o machado de duas faces  que corta por igual  tal qual a justiça dos justo Xangô que é soberano entre todos os Obás e Iabás Kaô Xangô